skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
22 novembro 2024
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

Breve história de uma estátua desaparecida

Francisco Brito
Opinião \ sábado, abril 02, 2022
© Direitos reservados
Na viragem do século XVIII para o século XIX, existiu uma “colossal” escultura da deusa Fama a encimar o edifício que ocupa o lado nascente do Toural. Hoje apenas sabemos que a estátua desapareceu.

Quem em 1794 estivesse no Toural veria em construção um dos seus edifícios mais emblemáticos: a fachada nascente ou “pombalina” do Toural. Possivelmente inspirado nas construções que anos antes se tinham iniciado em Lisboa, o novo edifício, uma obra “elegantíssima”, “simétrica e regular”, destinava-se a proporcionar “casas nobres” aos mercadores ricos e à nobreza local. Foi um empreendimento particular, construído com a aprovação da Câmara relativamente a duas matérias fundamentais: a demolição do pano de muralha do Toural e a volumetria e alinhamento do edifício. A construção demorou vários anos e é sabido que em 1806 o edifício ainda não estava totalmente concluído.

De acordo com a obra “Guimarães Apontamentos para a sua História”, da autoria do Padre Caldas, a encimar esta obra esteve durante pouco tempo um frontão triangular em pedra, sendo colocada no seu vértice uma estátua “colossal” da deusa Fama “empunhando um clarim de metal”. Contudo, quer o frontão, quer a estátua que o encimava “foram posteriormente abatidos pois o seu peso considerável ia fazendo afastar as paredes da linha de prumo”.

Como já foi referido, este enorme prédio foi erigido por particulares e é possível que a estátua de Fama tivesse sido encomendada pelos proprietários do edifício. De forma deliberada ou acidental, quem sugeriu aquela estátua para o Toural parece ter conseguido com um só objeto contar toda a história daquela praça. Para a mitologia romana Fama era a deusa dos boatos e dos rumores, era a mensageira de Júpiter e habitava o centro do mundo, num palácio com mais de mil aberturas, por onde entravam e de onde saiam todas as vozes. No seu novo e mais modesto palácio, Fama continuava no centro do mundo, desta feita no centro do mundo de muitos dos vimaranenses de então e de hoje: o Toural. Certamente, não haveria em Guimarães melhor local para ouvir e espalhar os rumores e, quem sabe, para entender o ethos vimaranense.

 

Fuente de la Fama, em Madrid

Fuente de la Fama, em Madrid

 

Mas, afinal, quem propôs colocar uma estátua da deusa Fama no topo de um edifício no Toural? E onde se encontra hoje?

Aparecendo com alguma frequência como elemento alegórico na pintura e na gravura dos séculos XVIII e XIX, as representações de Fama enquanto elemento escultórico autónomo ou como motivo decorativo de edifícios não são muito comuns. Em Portugal podemos encontrar esta deusa esculpida no pedestal da estátua equestre de D. José em Lisboa, da autoria de Machado de Castro. Em algumas cidades europeias é possível encontrar representações desta divindade a encimar algumas edificações e monumentos. Atendendo ao facto de a obra do Toural ter sido uma encomenda feita por “homens de negócio”, é legítimo presumir que a escultura poderá ter sido encomendada por estes negociantes (talvez inspirados por algo que viram nas suas viagens por Portugal ou pela Europa). Também é possível que, sendo a fachada nascente do Toural um edifício erudito, a ideia da escultura tivesse partido do autor do projecto.

Mais misteriosa do que a autoria da encomenda da estátua parece ser o seu destino final… Em Portugal, na transição do século XVIII para o século XIX, não seriam muitos os artistas com capacidade para uma obra escultórica desta natureza. Tal facto tornaria um empreendimento deste género bastante dispendioso. Assim sendo, parece pouco provável que a estátua tenha sido simplesmente demolida ou “abatida”. O mais lógico é ter sido apeada e posteriormente vendida. Poderá também ter sido destruída acidentalmente durante a sua remoção do edifício…

Não há respostas definitivas para estas perguntas. Hoje apenas sabemos que a estátua desapareceu.

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #83