Centralização televisiva: poder, egoísmo e silêncio
As declarações recentes de André Villas-Boas sobre a centralização dos direitos televisivos são a prova de que, mesmo com rostos novos, o discurso dos ditos grandes do futebol português continua velho. O presidente do FC Porto fala em “valorizar o produto” e em “proteger os clubes”, mas o que realmente defende é simples: que os três do costume continuem a receber muito mais do que todos os outros. É o mesmo egoísmo travestido de visão estratégica. E o pior é que muitos ainda batem palmas.
Villas-Boas não percebe — ou finge não perceber — que o futuro do futebol português não se constrói à sombra de três clubes, mas com uma Liga equilibrada, onde os médios e pequenos possam investir, formar e competir de igual para igual. Só uma distribuição justa dos direitos televisivos permitirá reforçar essa base. Com mais recursos, clubes como o Vitória SC, o Famalicão, Santa Clara ou o Gil Vicente poderiam investir em formação, jogadores, infraestruturas e academias, tornando a Liga mais competitiva e, sobretudo, mais atrativa. Isso traduz-se em melhores resultados europeus, mais pontos no ranking e mais equipas portuguesas nas competições da UEFA. Mas essa visão de coletivo continua a ser tabu em Lisboa e no Porto.
A outra tese do presidente portista — a de que é preciso comprar jogadores de 20 milhões para competir com os estrangeiros — é igualmente absurda. O que o futebol português precisa não são “craques importados” pagos a crédito, mas de políticas de formação sérias, de clubes financeiramente sólidos e de dirigentes que saibam o que é sustentabilidade. Portugal exporta talento suficiente todos os anos para competir sem complexos, se apenas houvesse coragem de investir na base, em vez de disfarçar a falta de projeto com contratações sonantes.
E enquanto Villas-Boas fala, o Vitória SC cala-se — ou, pior ainda, fala do que não interessa, fala do acessório. No comunicado de 10 de outubro, a “Direção” de António Miguel Cardoso respondeu às críticas do presidente do FC Porto com uma indignação seletiva: preocupou-se mais em defender a honra do parceiro V Sports do que em atacar o verdadeiro problema — a tentativa dos grandes de garantir que a centralização continue a ser feita à medida deles. O que se esperava era uma posição firme e sem ambiguidades: que o Vitória só aceita um modelo de centralização assente na igualdade e na justiça distributiva. Mas, como tantas vezes, preferiu-se a retórica à substância.
António Miguel Cardoso repete o mantra do “rigor e zelo pelos superiores interesses do Vitória”. Palavras. Porque quem por exemplo assinou um acordo parassocial com a V Sports válido por 30 anos, escondido dos sócios, com cláusulas de confidencialidade e condições essencialmente favoráveis ao investidor, não defende o Vitória — compromete-o. É inaceitável que uma direção eleita pelos sócios celebre um acordo com efeitos que se prolongam muito para lá do seu mandato, sem prestar contas àqueles que verdadeiramente detêm o clube e dando a um sócio minoritário o poder de condicionar todas as decisões da Vitória Sport Clube, Futebol SAD.
António Miguel Cardos fala de modernização, mas não há plano estratégico. Promete-se estabilidade financeira, mas o passivo não baixa e as decisões continuam a ser de curto prazo. Fala de transparência, mas omite documentos. É este o tal “rigor”? É esta a “visão de futuro”? O Vitória precisa de uma direção que para além de ter um rumo, tenha a capacidade e competência de gerir que não tem tido, e que defenda o clube e o futebol português nos temas que realmente importam — e que não se encolha perante o poder dos grandes.
Enquanto FC Porto, Benfica e Sporting continuarem a dominar o futebol português, e enquanto direções como a atual do Vitória continuarem a confundir prudência com subserviência, nada mudará. Continuaremos a ter uma Liga de três, um país de discursos e um futebol sem futuro.