“Coisas Ruins” e gente estranha
“Coisas Ruins” (Suma, 2025) é o título do primeiro romance publicado por João Zamith. A obra, que em parte tem Guimarães por pano de fundo, conta a história de uma família da alta burguesia nortenha, da sua relação com um passado nebuloso e com uma força misteriosa. Com uma narrativa construída em parte por uma forte tensão entre o racional e o sobrenatural (e também entre a razão e a emoção), o livro apresenta várias camadas (sociais, geracionais, geográficas, cronológicas, entre outras) representadas por arquétipos de comportamento, linguagem, cultura, etc. A superstição, a fé e a razão (apresentadas umas vezes em conflito, outras como um complemento) são o alicerce daquela que seria sempre uma boa história mesmo que não contasse com estes elementos. Contudo, como o autor fez notar na apresentação do livro, o sobrenatural está mais presente nas nossas vidas do que aquilo que gostaríamos de admitir (independentemente das nossas crenças pessoais) e raras são as pessoas que nunca ouviram ou viveram histórias que o demonstram. Neste livro, a camada do paranormal acrescenta algo que faz a diferença e lembra-nos dessa dimensão da nossa vida presente que tantas vezes tentamos eliminar ou remeter para um passado longínquo…
WEIRD [estranho] usado como acrónimo de Western, Educated, Industrialized, Rich, Democratic, é a palavra usada por Joseph Henrich para nos definir no seu livro “The Weirdest People in the World – How the West Became Psychologically Peculiar and Particularly Prosperous”(Penguin, 2021), onde o antropólogo e biólogo americano tenta explicar quais as especificidades que fizeram com que no Ocidente surgisse uma certa forma de individualismo e o subsequente desenvolvimento social e económico que resultou desse novo modo de viver em sociedade. Em linhas gerais, Henrich afirma que, de forma involuntária, a Igreja Católica ao proibir os casamentos entre parentes distantes (por vezes até ao 5º grau) destruiu as comunidades tradicionais (tribais) da Europa (assentes no parentesco), o que gerou um novo tipo de pensamento. Os efeitos destas proibições fizeram com que o individuo se libertasse dos constrangimentos da família alargada e da tribo. Tal facto terá contribuído para uma nova forma de encarar a propriedade (que assim deixou de ser estritamente familiar ou comunitária) e alterou o papel do individuo que passou não só a circular mais livremente (levando consigo ideias novas) mas também a ter uma maior capacidade de questionar as suas próprias tradições, família e religião. Assim nascia a “gente estranha” (“weird people”) que são os ocidentais e as pessoas educadas no ocidente (ou com fortes referências culturais ocidentais). Henrich classifica este fenómeno como uma singularidade comportamental e cultural (não genética) ocorrida por mero acaso na Europa que, pelos motivos que são sabidos, acabou por moldar uma boa parte do Mundo. Alerta-nos também o irrealismo da noção da universalidade das ideias e para os efeitos constantes da evolução cultural (hoje em grande parte assentes no uso de novas tecnologias). O autor remete-nos também para outros trabalhos seus onde nos demonstra que a preservação das tradições (por vezes simples superstições) foram cruciais para a sobrevivência do Homem e para uma série de estudos comportamentais feitos com pessoas de todo o Mundo. Atravessando diversas áreas (biologia, economia, história, arqueologia, psicologia, etc.) e apoiado em inúmeros estudos e numa vasta bibliografia este é um livro que difícil de analisar (e de escrutinar), mas que não posso deixar de recomendar.