Formar Jogadores, Sim. Mas Primeiro, Formar Pessoas
No futebol moderno, falar de formação não pode ser apenas falar de técnica, tática ou rendimento. A verdadeira formação exige que vejamos o jovem atleta como mais do que uma promessa ou um projeto de investimento: é uma pessoa em desenvolvimento, com sonhos, dúvidas, medos e necessidades que vão muito além do relvado.
Nas academias e clubes, há uma responsabilidade que ultrapassa o treino. Educar é acompanhar. E isso significa estar presente em todas as dimensões da vida do jovem: escolar, emocional, social e cultural. Esta responsabilidade torna-se ainda mais urgente quando falamos de jovens atletas estrangeiros, que chegam a novos países e culturas, muitas vezes sem domínio da língua, sem família por perto, isolados numa realidade onde tudo é novo.
Estes jovens são, frequentemente, vistos apenas pelo seu talento. Mas talento não basta. Sem suporte, sem acompanhamento, sem um ambiente que promova o equilíbrio entre exigência e cuidado, há um enorme risco de frustração e abandono. É aqui que o sistema formativo tem de ser muito mais do que desportivo. Tem de ser educativo no mais profundo sentido da palavra.
Dois exemplos que passaram pelo Vitória SC ilustram bem a importância desta visão: Nicolas Tié, guarda-redes formado em França e na academia do Chelsea, após representar o Vitória, optou por abandonar o futebol e seguir uma nova vocação — integrou o exército francês, numa escolha de vida marcada pela disciplina e pelo sentido de propósito. Já Yann Bisseck, central alemão de origem camaronesa, depois de uma passagem também difícil pelo Vitória, ponderou abandonar a carreira e regressar a Berlim para estudar e tirar um curso universitário. Hoje, é titular do Inter de Milão, clube que disputa a final da Liga dos Campeões e luta pelo título italiano. O que os une? A consciência de que o futebol não é o único caminho — mas também a prova de que, com estrutura, apoio e autoconhecimento, é possível encontrar equilíbrio e sucesso, seja dentro ou fora de campo.
A escola deve ser um pilar. Não como uma obrigação meramente formal, mas como um espaço de crescimento pessoal e intelectual. Um jovem que estuda desenvolve pensamento crítico, autonomia e uma identidade própria que o protege dos excessos do mundo do futebol. Para muitos, o sucesso desportivo pode nunca chegar — mas o sucesso pessoal, profissional e social é sempre possível, se houver uma base sólida. E isso precisamos incutir em todos os jovens atletas.
Importa também incutir valores. Ética de trabalho, disciplina, humildade, solidariedade e, acima de tudo, resiliência. Ensinar que falhar faz parte do caminho. Que o esforço e a superação são mais importantes do que o resultado imediato. Que o erro, longe de ser um fracasso, pode ser uma oportunidade de aprendizagem.
E há um ponto essencial que não pode ser esquecido: estes jovens têm de ser felizes. Ser jogador não deve significar abdicar de viver a juventude com alegria, com tempo para brincar, rir, descobrir, experimentar. A pressão para “vingar” cedo demais rouba-lhes algo precioso. O futebol deve formar atletas, mas não pode destruir crianças para fabricar campeões.
A formação moderna precisa de um compromisso alargado — treinadores que também educam, psicólogos que escutam, professores que apoiam, estruturas que acolhem. E um ambiente onde o jovem entenda que está a construir um caminho — que poderá levá-lo à elite, mas que, acima de tudo, o prepara para ser uma pessoa inteira, capaz, consciente e feliz.
Formar jogadores é importante. Mas formar pessoas é urgente. E, no final, é isso que dá verdadeiro sentido ao futebol.
Pedro Miguel Carvalho