skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
26 dezembro 2024
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

História e futuro

Francisco Brito
Opinião \ terça-feira, dezembro 10, 2024
© Direitos reservados
Se há 13000 anos algo que dificilmente poderemos compreender totalmente mudou a humanidade (pensamento, religião e tecnologia) agora, no tempo em que vivemos, estamos a registar o que está a acontecer

Até há bem pouco tempo, a grande maioria dos arqueólogos, historiadores e antropólogos acreditava que só depois do Homem ter começado a desenvolver a agricultura e ter criado comunidades sedentárias é que surgiu a civilização (e com ela as grandes construcções, a divisão do trabalho, a hierarquização da sociedade a institucionalização da religião, etc.). A descoberta e subsequente estudo (no final da década de 90) de Gobekli Tepe (um templo e na actual Turquia) pôs em causa esta teoria. O monumento foi construído seguramente antes do desenvolvimento da agricultura, o que por si só coloca grandes questões sobre as nossas certezas quanto à história da humanidade.

Este ano, Martin Sweatman investigador da Universidade de Edimburgo, publicou um artigo onde afirma que Gobekli Tepe é um calendário que assinala o suposto impacto de um cometa que terá atingido a Terra há cerca de 13000 anos. A teoria é controversa (a própria existência do impacto é posta em causa por muitos cientistas) mas parece fazer sentido: um cometa atinge a Terra, o acontecimento marca os seres humanos (de diversas formas) e faz com que estes mudem a sua forma de pensar e de interagir com o meio envolvente.

De acordo com Sweatman, a construção do templo de Gobekli Tepe marcou também uma nova etapa do pensamento religioso e simbólico daquela comunidade de caçadores-recolectores. Alguns anos depois, não muito longe dali, surge a agricultura. E o Mundo não voltou a ser o mesmo.

Hoje também vivemos tempos de mudança. A esmagadora maioria da comunidade científica alerta-nos para o perigo das alterações climáticas. Para além das guerras e crises económicas, sabemos que uma parte das migrações a que hoje assistimos já são fruto da crise climática (e da subsequente perda de condições de vida e de trabalho nos locais atingidos). Sabemos também que essas migrações estão a transformar de forma profunda as sociedades e a política dos países de acolhimento. Apesar da pobreza extrema ter descido de quase 40% em 1980 para menos de 10% em 2019 (um feito da globalização?) e de nos países desenvolvidos terem sido atingidos valores históricos no acesso à saúde e à educação, as precepções sobre desigualdade  e um crescente descontentamento das populações trazem novos desafios à sociedade e aos governos. A sensação de vazio gerada por estas transformações tem levado a que no Ocidente se adoptem cada vez mais novas formas de espiritualidade (em paralelo com as religiões tradicionais ou substituindo-as). E em grande parte das sociedades desenvolvidas a o trabalho está a mudar bem como a relação das pessoas com o trabalho. Todos estes (e outros) fenómenos estão a ocorrer a par de grandes desenvolvimentos tecnológicos (dos quais se destaca a Inteligência Artificial) que, ao que tudo indica, vão mudar de uma forma radical a humanidade.

Se há 13000 anos algo que hoje dificilmente poderemos compreender totalmente mudou a humanidade (no que diz respeito ao pensamento, à religião e à tecnologia) agora, no tempo em que vivemos, estamos a registar o que está a acontecer. Se procurarmos um termo de comparação para perceber quão diferentes podem ser os caminhos da humanidade, podemos até olhar para uma comunidade de caçadores-recolectores do tempo presente e perceber o que nos separa a nós (filhos da agricultura e da sedentarização) desse outro modo de vida. Contudo não somos capazes de adivinhar o futuro e saber que nova forma de humanidade está a nascer neste momento. Ainda assim, sabemos que de alguma forma também estamos a colaborar na construção desse futuro e que o nosso contributo pode ser positivo. Isto sem nunca esquecer que “nem todos os futuros são para desejar, porque há muitos futuros para temer”.

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #86