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Paulo Mateus
Opinião \ terça-feira, agosto 16, 2022
© Direitos reservados
Com um dom invulgar de comunicar, Maria de Lourdes Modesto era escutada com toda a atenção. O seu papel decisivo foi o de contribuir para a definição da nossa identidade gastronómica.

Permitam-me os caros leitores desta coluna que hoje não divague sobre deleites gastronómicos ou vinícolas, mas preste uma singela homenagem à “Diva da Gastronomia Portuguesa”, uma Senhora que dedicou grande parte da sua vida à recolha e defesa da nossa riquíssima gastronomia regional. A nossa gastronomia muito tem a agradecer-lhe já que, sem ela, certamente, muitas das receitas recolhidas e apresentadas num inovador programa de televisão, que durante 12 anos prestou um verdadeiro serviço público, ter-se-iam perdido.

Maria de Lourdes Modesto, ao contrário do que se lê nas muitas biografias de famosos, não teve vocação inata para a cozinha desde tenra idade, nem na adolescência cozinhava pratos sofisticados para a família, como comentou numa entrevista intimista a Anabela Mota Ribeiro: “Quando vejo pessoas a dizer que desde os quatro anos têm vocação para a cozinha... mentia se dissesse isso. A cozinha quase que aconteceu por acaso”.

Com um dom invulgar de comunicar, Maria de Lourdes Modesto era escutada com toda a atenção, foi um exemplo para muitas mulheres, num tempo em que a cozinha era de e para mulheres. Mas o seu papel decisivo foi o de contribuir para a definição da nossa identidade gastronómica. O livro “Cozinha Tradicional Portuguesa” (1981) é, ainda hoje, uma bíblia para qualquer cozinheiro e fundamental para o enriquecimento do nosso património cultural porque gastronomia é cultura!

Foi importante como deu a conhecer alguns produtos tradicionais e outros desconhecidos, como refere na entrevista: “Realmente só uma rapariga que não percebe nada do que está a fazer escolhe cozinhar alcachofras! A alcachofra é hoje o meu talismã. Pensei que os portugueses não conheciam alcachofras. Por um lado, era uma estupidez fazer alcachofras que ninguém conhecia, por outro, a televisão também serve para divulgar.”

A minha mãe, sua grande admiradora, não perdia um programa seu, na altura não havia a possibilidade de “puxar atrás” ou de gravações automáticas, pelo que aquela hora era sagrada. Lembro-me de ver a minha mãe, uma cozinheira de encher o olho e a boca, de caderno na mão a anotar as receitas que eram debitadas através da caixa mágica.

Maria de Lourdes Modesto foi para a minha mãe uma referência culinária, muitas vezes eu e a minha irmã fomos cobaias das receitas apresentadas na TV ou tiradas dos seus livros. Hoje vejo com saudade o livro “Receitas da TV” da minha mãe, todo escrito e anotado, com receitas que foi acrescentando às sugestões do livro. Hoje, com saudade, sinto falta dos sabores genuínos da comida tradicional de minha mãe que gostava de dar alegria através da sua comida.

Maria de Lourdes Modesto, obrigado pela defesa do nosso legado gastronómico. Só tenho pena de não a ter conhecido para lhe fazer uma simples pergunta: o que acha desta loucura de hoje haver cozinha “gourmet” em cada esquina? Talvez não seja difícil adivinhar a resposta. Direta e desassombrada, como disse numa entrevista ao Sol: “Sou contra o disparate e a cozinha mal feita”.

Até Sempre!

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