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Nicolinas: um caso de sobrevivência

Francisco Brito
Opinião \ terça-feira, dezembro 02, 2025
© Direitos reservados
Se hoje temos Nicolinas devemo-lo aos rapazes que há 150 anos “amotinaram a povoação com o estrondo dos tambores”.

A celebração de S. Nicolau pelos estudantes é hoje em Portugal um fenómeno exclusivamente vimaranense. Como já tive oportunidade de referir neste jornal, esta particularidade é relativamente recente. Este culto existiu na Península Ibérica desde a Idade Média e em Portugal há relatos de festejos estudantis em honra do santo em Lisboa, Coimbra, Braga, Guimarães e no Porto. Ao longo dos séculos, por motivos não muito claros, esta festa foi desaparecendo das cidades acima referidas tendo apenas sobrevivido em Guimarães.

No Porto, na freguesia de S. Nicolau, até 1855 a festa era celebrada assim:

“No dia 5 de dezembro, véspera da festividade do padroeiro, S. Nicolau, os alunos da escola que a confraria administra, unidos a outros muitos, separavam-se em grupos ao declinar da tarde e percorriam esta freguesia em diferentes direções, cantarolando e gritando ao som de campainhas: “Quem dá lenha ou algum pau p’rá fogueira de S. Nicolau”. E, desde as oficinas de tanoeiros à Porta Nova e Rua dos Banhos até à Corticeira, faziam grande colheita de barricas e canastras velhas, aparas das tanoarias e carqueja, levando tudo para a frente da Igreja de S. Nicolau. Logo que anoitecia, lançavam-lhe o fogo, dando-lhes a confraria uma porção de castanhas verdes, e o Abade, regularmente, um alqueire, lançando-lh’as sobre a fogueira, por vezes do alto da Igreja. Desenvolvia-se então, entre o batalhão de rapazes que já se achava postado em volta da fogueira, grande barulho e uma algazarra de ensurdecer, com muitos tombos e chamuscadelas ao disputarem uns aos outros as castanhas cruas, assadas e, por fim, algumas queimadas. O magusto terminava por uma sementeira horrível de brasas, cinza e tições, que punha sempre em alarma os transeuntes e vizinhos.
Era este o maior alegrão dos rapazes d’esta freguesia e durou, desde tempo imemorial, aproximadamente até 1855.”

Este relato (a que A.L. de Carvalho fez referência) encontra-se no volume VI da obra “Portugal Antigo e Moderno” (1876) de Pinho Leal. Aqui vamos encontrar algumas semelhanças com o que então se fazia em Guimarães. A existência de um magusto e de uma “posse” dada por uma instituição ligada à Igreja. A estes dois elementos idênticos aos que encontramos nos festejos vimaranenses, junta-se a desordem que, de alguma forma, sempre caracterizou os festejos a S. Nicolau nos países do sul da Europa. Mas seria essa desordem verdadeiramente aceite pela sociedade? Regressemos a Guimarães e vejamos o que nos diz sobre o rumo da festa “A Tesoura de Guimarães” de 7/12/1858: “A folga escolástica de S. Nicolau parece que termina para o seu termo, nem outra coisa seria de esperar depois que a confundiram com divertimentos ordinários – danças e teatro (…). Não temos grandes queixas, mas alguns as tem, não tendo podido conciliar o sono com o estrondo dos tambores (…). Em outro tempo iam os estudantes à novena de N. Senhora da Conceição: antes de ir faziam as suas graças, por vezes pesadas, mas não amotinavam a povoação com o estrondo dos tambores, salvo de dia e só no dia próprio deles (…)”.

A “civilidade” foi um dos valores que o século XIX procurou consolidar. A valorização da etiqueta, dos bons costumes e a tentativa de imposição de uma certa “moral social” tiveram uma importância hoje difícil de imaginar. Muito embora os dias de festa fossem sempre uma excepção (em que se aceitava o barulho e o excesso), uma nova concepção de sociedade (marcada por novos códigos sociais) em conjunto com novos modelos e reformas no ensino (com menor relação com as instituições religiosas) podem ter contribuído para a extinção dos festejos a S. Nicolau em Portugal. Em Guimarães as festas sobreviveram apesar da fraca participação em alguns anos nas décadas de 70 e 80 do século XIX. Em 1895 “ressurgiram”, ou melhor, foram recriadas por um grupo de estudantes que lhes deram a forma que conhecemos hoje (mantendo números antigos e introduzindo mudanças). Se hoje temos Nicolinas é certo que o devemos em grande parte aqueles que em 1895 fizeram renascer a festa. Mas não o devemos menos aos rapazes desconhecidos que nos anos anteriores desafiaram as convenções e “amotinaram a povoação com o estrondo dos tambores”.

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