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O paradoxo do voto útil

Francisco Brito
Opinião \ segunda-feira, março 04, 2024
© Direitos reservados
Se das eleições de Março não sair um resultado claro o actual sistema político português irá desabar.

E num futuro próximo os eleitores irão ver a sua escolha reduzida a um grande partido democrático e a uma força populista (de direita radical) que sozinha ou com o que sobrar da direita moderada acabará por chegar ao poder.

Não será demasiado arriscado dizer que nestas eleições o que está em jogo é o futuro da democracia portuguesa tal como a conhecemos. Depois do 25 de Abril e desde que Portugal entrou na União Europeia e a população começou a sentir os benefícios materiais da democracia, o poder tem estado nas mãos do PS e PSD (ocasionalmente apoiados de iure ou de facto por partidos que, desta forma, contribuíram para as soluções governativas).

Desde o fim do cavaquismo (1995), Portugal tem sido governado pelo PS (com as excepções do curto governo de Barroso/Santana e do governo de Passos Coelho, exercido durante o resgate financeiro). Se é certo que os governos socialistas trouxeram a Portugal importantes inovações e conquistas sociais, é seguro que nos últimos anos não conseguiram corresponder aos anseios dos portugueses (que tentaram compensar com improviso e até com uma certa arrogância que a democracia dispensa bem).

Do outro lado da barricada encontra-se o PSD e a direita democrática. Afastados do poder há bastante tempo, os herdeiros de Sá Carneiro foram-se ocupando com lutas intestinas e, nas eleições de 2022, apostaram numa estratégia errada (em que entreabriram a porta aos populistas). Contudo, com a criação da AD foi dito um claro “não” ao populismo e as hostes uniram-se finalmente em torno de Montenegro e de algumas das ideias chave que o líder da AD apresentou para o futuro de Portugal. Alicerçado em propostas arrojadas (mas exequíveis), o programa da AD transmite uma mensagem positiva e de esperança, capaz de galvanizar um eleitorado que vai do centro esquerda à direita e que quer uma mudança.  Em teoria esta maioria terá a força suficiente vencer as eleições de 10 de Março.

Ainda assim o populismo continua e continuará a pairar sobre o regime. Se das eleições de Março não sair um resultado claro o equilíbrio parlamentar português irá terminar (a curto ou a médio prazo). A direita democrática (especialmente o PSD e o CDS) irá desagregar-se definitivamente e os eleitores, tal como já aconteceu noutras paragens, irão ver a sua escolha reduzida a um grande partido democrático (do qual mais cedo ou mais tarde se irão fartar) e uma força populista (de direita radical) que sozinha ou com o que sobrar da direita moderada acabará por chegar ao poder.

Por vezes diz-se que o voto útil limita as escolhas, afunila as possibilidades ou vicia o jogo democrático. Mas se em Março o resultado não for claro, em apenas alguns anos veremos os democratas acantonados numa grande força partidária (que seguramente estará longe da ideologia de muitos deles) a digladiarem-se com uma força populista de igual dimensão. Haverá escolha mais limitada do que esta? Não me parece. Desta vez, paradoxalmente, é no voto útil que se encontra a defesa da possibilidade de escolha.  É por isso que no dia 10 de Março é necessário que cada voto conte. E é necessário que cada voto seja útil.

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