O peso da tabela e o peso do apito
O futebol português vive, há demasiados anos, prisioneiro de uma tendência que já ninguém consegue ignorar: os erros de arbitragem que, por coincidência ou por repetição, acabam quase sempre por favorecer os chamados “três grandes”. O discurso é conhecido, mas a atualidade insiste em repeti-lo, mesmo com VAR. A classificação inclina o campo, a pressão pesa, e a margem de erro é desigual. Mas quando os equívocos se acumulam sempre na mesma direção, deixa de ser apenas incompetência e transforma-se num problema estrutural.
O Vitória SC vs Gil Vicente de ontem voltou a expor essa realidade. Num jogo fechado, onde cada detalhe podia definir o resultado, o critério disciplinar e técnico da equipa de arbitragem acabou por ser determinante. Faltas iguais com tratamentos diferentes, amarelos que surgiram para um lado e desapareceram para o outro, e um penálti que ficou por assinalar a favor do Vitória — tudo somado, alimentando a sensação de que, em Portugal, as regras mudam conforme o símbolo da camisola ou o peso histórico da classificação.
Seria injusto, no entanto, esconder aquilo que também se viu: o encontro foi pobre. Apesar de superior em vários momentos, o Vitória nunca conseguiu transformar domínio em verdadeiro perigo e o Gil Vicente, por sua vez, veio jogar para não perder pontos. A tabela classificativa acabou, inevitavelmente, por estar presente à flor do relvado. Era um duelo entre quem precisava de recuperar terreno e quem joga confortável, sem a obrigação de assumir riscos e condicionado por um recente declínio exibicional. Resultado: duas equipas encaixadas, a jogar pela certa, mais preocupadas em não errar do que em ganhar o jogo.
A correr atrás do prejuízo, Luís Pinto tentou empurrar o Vitória para a frente, mas o Gil Vicente foi sólido defensivamente. Soube fechar espaços, soube temporizar o jogo, soube explorar a ansiedade do adversário. Limitou as oportunidades e, com isso, reduziu o impacto da nossa superioridade em posse e iniciativa.
Contudo, quando um jogo tenso e equilibrado é influenciado por decisões erradas, o espetáculo deteriora-se. O problema não é apenas o resultado: é a sensação de desigualdade, a perceção de que há clubes que disputam o campeonato e outros que se limitam a sobreviver a um sistema viciado. A cada jornada, a desconfiança cresce, e o futebol português afasta-se do que verdadeiramente o devia mover — mérito, competitividade e justiça dentro das quatro linhas.
A centralização dos direitos televisivos promete equilíbrio económico. A ver vamos. Urge contudo, também, “centralizar” o critério arbitral e procurar a verdade desportiva. Porque enquanto as decisões continuarem a cair quase sempre para os mesmos, o campeonato será apenas uma corrida com partida desigual. E isso não é futebol. É condicionamento.
Pedro Miguel Carvalho