Os Jogos, os Desportos e a Atividade Física
Abrimos um novo capítulo nestas crónicas. Depois de uma abordagem histórico-filosófico do jogo, agora a proposta é uma abordagem pelos muitos jogos e desportos que praticamos entre nós e os seus praticantes, e abordar a atividade física que está bem patente – como nunca – no dia-a-dia das nossas vidas e das nossas comunidades.
Aliás, Guimarães é paradigmática pelo grande número de instituições públicas e sobretudo privadas que se dedicam ao desporto e/ou aos desportos, na promoção dos jogos tradicionais em diversos acontecimentos religiosos e culturais, e no enxame de praticantes de caminhada, corrida, bicicleta e outras atividades físicas que diariamente podemos presenciar. Hoje, mais do que nunca, cumprimos o artigo 79 da Constituição Portuguesa – o direito de todos à cultura física e ao desporto, considerando-as como atividades socioculturais e o seu papel no âmbito da formação integral e valorização dos cidadãos. Como em 1985 Olimpo Coelho proclamava para Portugal: “As atividades físicas e desportivas, pelas potencialidades que manifestam na formação e progresso do indivíduo e da Sociedade, não podem ser dispensadas de estarem incluídas em qualquer projeto de desenvolvimento social e cultural séria e corretamente concebido” (in Actividade Física e Desportiva. Aspectos Gerais do seu Desenvolvimento. Lisboa: Livros Horizonte, 1985, p. 5).
Contudo, e este é o aspeto mais grave, e para o qual as minhas primeiras crónicas procuraram alertar e preparar, a ausência de uma filosofia das atividades desportivas e físicas, uma filosofia do jogo, bem como uma interpretação limitada (como o vemos no fenómeno do futebol, e de sobremaneira em Portugal) e sem fundamentação científica das muitas questões relacionadas como o seu desenvolvimento, são hodiernamente o principal sinal de alerta. Precisamos, e hoje nunca é de mais alertar, um desporto e atividade física que coloque a pessoa e a sua dignidade, numa sã relação com o meio ambiente e urbano em que habita, no coração do desporto e da atividade física, e não a competição por si própria, o dinheiro, a elegância ou outros propósitos. O Papa Francisco, a 30 de setembro de 2022 aos participantes do Convénio Internacional de Desporto em Roma, alertava para um desporto “que seja para todos, que seja ‘coeso’, ‘acessível’ e ‘à medida de cada pessoa’”. E mais à frente acrescenta: “mas não basta que o desporto seja acessível. Conjuntamente à acessibilidade deve estar o acolhimento: é importante que eu encontre a porta aberta, e alguém que me acolha. Alguém que tenha aberta a todos a porta do coração, e, consequentemente, ajude a superar o preconceito, o medo, a ignorância. Acolher significa aprovar a todos, pela prática desportiva, a capacidade de jogar, confrontar-se com os seus limites e desenvolver as suas potencialidades”. Isto é, um desporto para todos independentemente do género e da opção sexual, da religião e da cor da pele, etc, e onde todos possam realizar a sua humanidade em são convívio e válida competição das muitas e sui generis capacidades de cada pessoa. Parafraseando o Papa Francisco, que o desporto e a prática desportiva sejam uma casa aberta onde todos podem jogar e sentirem-se acolhidos e respeitados na sua integridade e dignidade humana e pessoal.
Numa filosofia do jogo, quer na sua raiz histórica ocidental, quer na sua realidade atual (que pretendemos mundial), as diversas atividades físicas e desportivas, no conjunto de todas as suas expressões e relações com os diferentes setores da vida social e cultural, sem esquecer a sua dimensão religiosa, englobam uma diversidade de áreas, sendo, como fenómeno social, um fenómeno de massas equivalente em termos de mobilização aos fenómenos político e religioso. São três as dimensões fundamentais da prática desportiva e da atividade física:
- A participação concreta, ativa e direta nas atividades desportivas e físicas. Este primeiro âmbito abrange todas e todos os que procuram pela prática das atividades desportivas e físicas a satisfação de uma variada gama de interesses, necessidades e tendências; quer como profissionais ou como momentos de lazer, onde relaxamos e brincamos. Esta é a dimensão essencial da prática desportiva e da atividade física como atividade social e cultural, e sem a qual este fenómeno universal não teria grande significado.
- A participação concreta de apoio às atividades desportivas e físicas. Este apoio exige o desempenho de diversas tarefas e a criação de várias ocupações: dirigentes, treinadores, animadores, árbitros, pessoal de saúde, jornalistas e muitos outros. Dependendo da grandeza do fenómeno desportivo e da sua inserção social e cultural, assim será maior o quadro daqueles que participam concretamente no apoio às atividades desportivas e físicas, e a sua especialização aprofundar-se-á.
- A participação “passiva” nas atividades desportivas e físicas. Sabemos que o corpo humano em movimento é sempre um momento de beleza e de arte, assim, nas suas diferentes expressões, o desporto e a atividade física são sempre ocasião de espetáculo e fonte de estímulos sensoriais e emocionais. Ora o “negócio” e a “arte” favorece a criação de um mercado, nem sempre revestido de grandes valores éticos e solidários, mas por norma criadora de um grupo de fãs e de adeptos que assiste e apoia, entra em comunhão com os praticantes e identifica-se com os mesmos. Aqui atualidade manifesta a necessidade de maior acuidade e pertinência de normas e ações que promovam um são convívio dos atores passivos do fenómeno desportivo, e da destruidora violência no desporto, bem como acautelar os abusos do negócio do desporto e de outros abusos em nome do dinheiro e da competição/espetáculo.
O interesse que atualmente se verifica pelas atividades desportivas e físicas, de caráter fortemente mobilizador e congregador, fundamenta-se em razões de natureza biológica e em razões de natureza psicológica e social. Continua…