Para que cidade se está a criar uma zona pedonal?
Em princípio sou a favor da criação de mais zonas pedonais nas cidades uma vez que esses espaços permitem uma melhor fruição do espaço urbano. Em Guimarães, a ideia de criar zonas pedonais é antiga e já foi posta em prática nas praças de Santiago, Oliveira e em algumas ruas adjacentes. Segundo creio a interrupção de trânsito na Rua de Santo António chegou a ser testada (sem sucesso) há cerca de 30 anos.
Nos anos 80 e 90, quando Guimarães começou a estudar e implementar os primeiros processos deste género, a cidade era completamente diferente dos dias de hoje. Era, tal como hoje, um ponto de passagem de pessoas que aqui afluíam no início e ao final do dia para usufruir do comércio e dos serviços rumo às suas casas que então se começavam a construir nas zonas onde hoje se concentra a esmagadora maioria da habitação da cidade. Mas, ao contrário do que acontece hoje, no casco velho ainda moravam milhares de pessoas, concentravam-se mais serviços (Correios, bancos, escritórios, escolas, consultórios, etc.) e ainda existiam algumas das antigas lojas âncora (as grandes casas de comércio têxtil) bem como o Mercado Municipal. Nessa altura o comércio tradicional ainda não enfrentava a concorrência do GuimarãeShopping, construído praticamente no centro da cidade (coisa rara nas cidades portuguesas). Mas essa cidade acabou.
Então para que cidade é que se está a criar uma zona pedonal?
A zona que hoje se quer pedonalizar é essencialmente uma área comercial, com muito poucos habitantes, com alguns residentes ocasionais (prestadores de serviços, estudantes, docentes, etc.) e com muitos turistas durante certas épocas do ano. Está bem servida por estacionamentos (se as pessoas estiverem dispostas a andar 10 ou 15 minutos a pé), uma boa oferta de cafés, bares e restaurantes e está ao lado dos principais pontos de interesse turístico da cidade. Alguns dos seus principais edifícios (antigos Correios, centro comercial Santo António e Toural) estão totalmente ou parcialmente vazios e os únicos serviços relevantes na zona são a Câmara e os bancos (a que se juntam escolas e alguns polos de ensino relativamente perto).
Portanto está a criar-se uma zona pedonal para uma área onde o comércio, a restauração e alguma hotelaria são os principais pontos de interesse.
Sabemos que o comércio está a sofrer transformações radicais. A uma pressão do preço/custo dos espaços comerciais juntam-se outras formas de consumo (nas grandes superfícies comerciais e o e-commerce) que afastam os clientes das lojas tradicionais. As políticas públicas (através do PRR e de outras iniciativas) incentivam o comércio online tornando previsível que uma boa parte do futuro das lojas passe pelas vendas online (em 2023 71% dos portugueses já tinham feito compras online) e algumas lojas já são hoje apenas pontos de recolha de encomendas previamente vendidas. Tudo isto deve ser tido em conta.
Creio que apesar destas mudanças a loja física não irá desaparecer. O prazer de ir a uma loja e de fruir do espaço envolvente (portanto da experiência, para usar uma expressão da moda) não está em risco. E, nesse sentido, a possibilidade de usufruir de um espaço comercial sem a presença de automóveis é um factor positivo. Ainda assim as preocupações dos comerciantes fazem sentido. Se podemos idealizar uma cidade em que os habitantes passeiam e param para fazer compras ao fim-de-semana ou nas férias, temos que nos perguntar que motivo têm essas pessoas frequentar habitualmente o centro de uma cidade que está cada vez mais desprovida de serviços e de outros atractivos na zona que agora se pretende modificar.