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Partidarismo, caciquismo, absentismo e outras maleitas da democracia

Sara Martins Silva
Opinião \ domingo, julho 16, 2023
© Direitos reservados
A nossa democracia é facilmente transacionável, e vende-se baratinha.

É por isso urgente discutir de forma crítica o falhanço deste sistema democrático, repensar o funcionamento dos partidos e das instituições democráticas.

Quando olhamos para os problemas da democracia, partimos sempre do pressuposto de que a democracia não é o problema, e que estes se resolvem, invariavelmente, ao nível da representação. A educação está em crise, pede-se a demissão do ministro, o país está em tensão demita-se o governo. E assim vamos seguindo, na vã esperança de que a substituição dos intervenientes resolva problemas estruturais e endémicos, como um diabético que espera ficar curado por trocar de médico sem abdicar do açúcar.

Esta crença, aliada ao absentismo, ajuda a que os extremistas (de esquerda e direita) ganhem espaço. Nichos de indivíduos que identificam uma insatisfação na sociedade e a exploram com fins eleitoralistas, propondo soluções radicais. Nem uma nem outra são solução para a crise na democracia, talvez porque o problema esteja na própria democracia e não naqueles que a personificam.

Gauchet, um dos mais proeminentes pensadores da contemporaneidade, diz-nos que as democracias vivem uma tripla crise: de pensamento político, de criatividade institucional e participação coletiva. A nossa democracia carece de pensamento político crítico (livre de contaminações ideológicas e partidárias), de novas formas de funcionamento das instituições, mais adequadas à realidade da sociedade atual, e de uma maior participação e representação coletiva. Estas transformações exigem uma mudança de paradigma, um novo sistema, não basta mudar os atores, estes estão já condicionados pelos vícios do atual sistema.

O mês passado a política local foi agitada por um caso de caciquismo para as eleições da concelhia do Partido Socialista (PS). O amigo de infância do vereador do desporto, e presidente de uma associação agraciada com avultados subsídios públicos, fez cacique junto dos associados para se filiarem no partido socialista e derrotarem o actual presidente Ricardo Costa, arquirrival do vereador. Há muita coisa errada nesta forma de fazer as coisas, no entanto, importa reter que bastam alguns, poucos, milhares de euros para comprar uma concelhia de um grande partido nacional. E com a concelhia o poder local e influência política nacional que daí advém.

Se é gravíssima a hipótese desta compra ocorrer com dinheiros públicos, não é menos grave se ocorrer com financiamento privado. Num cenário (não tão hipotético) a uma grande empresa com interesses, sejam de contratação pública local, sejam urbanísticos, ou outros, basta “investir” uns (poucos) de milhares de euros numa candidatura à concelhia, para passar a “reger” o futuro presidente da câmara. Mesmo que o façam nos dois principais partidos, o “investimento” é irrisório para o potencial de ganhos. Num concelho como o nosso, onde o Partido Socialista é totalitarista no poder há mais de 30 anos, este investimento é ainda mais fácil...

Parece absurda e maquiavélica, mas não é uma teoria inventada por mim. Quem está na política sabe que é mais ou menos assim que as coisas funcionam, a nossa democracia é facilmente transacionável, e vende-se baratinha. É por isso urgente discutir de forma crítica o falhanço deste sistema democrático, repensar o funcionamento dos partidos e das instituições democráticas e a representatividade da sociedade, que não pode resumir-se ao direito de voto a cada 4 anos.

Sobre o caso do vereador Nelson Felgueiras, e a auditoria, em que ninguém acredita mesmo antes do resultado, fica o desafio para o Presidente da Câmara, ou o Ministério Público, de enriquecer a mesma com uma análise comparativa entre os militantes do PS, a sua relação com associações e IPSS’s locais e os subsídios camarários. O resultado deve ser interessante.

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