O fim do absolutismo da madeira?
Marcel Proust escreveu um dia, “A verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos”.
As viagens que tenho feito a promover o vinho por esse mundo fora têm aberto os meus olhos para novas tendências de mercado, para um novo paradigma na abordagem ao mundo dos vinhos, que, com toda a certeza, se estivesse fechado na caixa, não me aperceberia dessas mudanças.
E uma das principais mudanças é no perfil de vinho e o tipo de consumidor. Países como Estados Unidos ou Reino Unido procuram vinhos mais redondos, com taninos macios, fáceis de beber, menor grau alcoólico e menos tempo barrica.
Num artigo publicado na Revista dos Vinhos, o jornalista e crítico de vinhos, José Peñin, escrevia que “o gosto a carvalho não identifica nem o território, nem o trabalho na vinha do enólogo. O carvalho tem o mesmo sabor no vinho português, espanhol, australiano ou indiano.”
É certo que a barrica tem uma função muito importante, ao permitir através da sua permeabilidade a micro-oxigenação do vinho, a estabilização da cor, suavização dos taninos e revelar sabores e aromas complexos e diferenciados. O perfil de sabor que uma barrica confere ao vinho depende dos diferentes tipos de madeira utilizada e dos graus da sua “tosta”, podem ser notas amadeiradas, de especiarias, de caramelo, entre outros. Quanto aos aromas que uma barrica cede ao vinho durante o envelhecimento podem ser especiarias, baunilha, canela, cravo, fumo, coco, caramelo, amêndoa torrada, frutos secos e café.
Os vinhos com mais tempo de barrica tornam-se mais aveludados, mais complexos e intensos, mas por vezes com uma maior adstringência conferida pelos taninos presentes na barrica. Há vinhos no mercado onde a intensidade da madeira é tanta, que não conseguimos encontrar vinho no copo.
Mas os produtores estão a mudar a sua mentalidade e a chegar à conclusão que os vinhos demasiado amadeirados e complexos não são procurados por uma nova geração de consumidores, entre os 25 e 45 anos, que não quer saber da origem, de castas ou tempo de madeira, querem é vinhos fáceis de beber e sem grande volume alcoólico. Vinhos complexos, com carácter, mas com pouca ou nenhuma madeira.
Começa a cada vez mais a produzirem-se vinhos mais frescos e menos amadeirados. Hoje já é tendência uma aposta em vinhos frutados, jovens e “fáceis de beber”. A verdade é que nem todos os vinhos podem ser estagiados em madeira. Os mais leves não suportam o impacto da mesma. É crucial para um enólogo equilibrar a madeira com a fruta, o que nem sempre é conseguido. Daí muitos consumidores procurarem vinhos mais jovens.
Se os vinhos estagiados em madeira, têm brindado e abrilhantado o mundo com os seus aromas únicos e texturas aveludadas, os vinhos sem estágio ou pouco estágio têm mostrado leveza, frescura e a verdadeira fruta, com uma complexidade interessante e honesta.
Vinhos complexos não têm necessariamente passar por barrica. São vários os fatores que tornam os vinhos complexos – o amadurecimento em barricas é apenas um deles. Bons vinhos são o resultado da preocupação constante com a qualidade em toda a produção e esse processo começa na vinha, com o acompanhamento da maturação das uvas e uma arte de vinificação correta.
Cada vinho continua a ter o seu lugar e como é comum dizer-se, gostos não se discutem, mas vão-se aprimorando com o nosso amadurecimento.