Preservar ecosistemas é preservar recursos genéticos (e tradições)
Na serra da Cabreira, e todos os anos, realiza-se a “Ferra”. Tradição antiga em que os criadores de Garranos, uma das raças de equídeos mais antigas do Mundo (e uma das quatro raças nacionais de cavalos) agrupam os seus animais, identificam os poldros nascidos e introduzem os animais com características étnicas desejáveis e idade superior aos 3 anos no Livro de Adultos. Na verdade, hoje com a tecnologia e a motorização, do aglomerar nas serranias, a pé ou cavalo pelos produtores, passamos a motorizadas e todo-o-terreno e, o ferro para identificação complementa-se com o microchip, dando, ainda, particular atenção, à Saúde Animal, na desparasitação dos animais.
Raça ancestral, estima-se que o seu núcleo Ibérico descenda após a glaciação vurmiana, última época fria contemporânea do paleolítico, ou seja uns 25.000 anos antes da nossa era (Ruy d´Andrade, 1938). Fortemente relacionados com Guimarães e a nacionalidade, os Garranos acompanharam D. Afonso Henriques na luta pelo condado Portucalense e nas lutas de expulsão dos Árabes da Península Ibérica, navegaram com os conquistadores até novos mundos e deram origem a novas raças de cavalos nas Américas. Se os portugueses deram novos mundos ao mundo, os Garranos deram novas raças de cavalos ao novo mundo.
Hoje, reduzidos a um pequeno número de animais (inferior a 2000 adultos) que os classifica como raça em risco de extinção (grau A) pela FAO (Food and Agriculture Organization), sobrevive na nossa região do Minho e Trás-os-Montes, pela vontade dos seus criadores. Enquadrados num ecossistema de montanha em liberdade durante todo o ano e, muitas vezes, em conflitualidade com a predação do lobo (cerca de 50% da população juvenil é morta pelo lobo), é preciso, também, encontrar alternativas que tornem este pequeno cavalo atrativo para o utilizador moderno do séc. XXI – o Garrano é o “pónei” português!
A funcionalidade ambiental, numa correta utilização do Garrano, enquadrados em circuitos ecológicos e trilhas interpretativas, particularmente em territórios altamente vulneráveis, resultantes do abandono rural e/ou da redução da silvopastoricia, permitirá a redução do risco de incêndio, mantendo o sistema produtivo, numa nova vertente indispensável de preservação dos ecossistemas.
Outros usos podem, igualmente, ser referenciados como as modalidades desportivas, nomeadamente a atrelagem, o Ensino, a Saúde (Hipoterapia, Saúde Mental) e o Turismo. Recordemos que esta mesma tipologia de “Ferra”, nos nossos vizinhos Póneis Galegos, os Garranos da Serra de Groba, leva milhares de visitantes e espectadores a Oia e promove intensamente a raça e a região.
Importa, pois, conhecer e salvaguardar o nosso património genético, que também é cultural, consubstanciado em projetos de desenvolvimento e estratégias ambientais, culturais e turísticas de elevada qualidade e altamente diferenciadoras. Mais do que um imperativo nacional é um imperativo civilizacional. E o que podemos fazer ou fazemos em Guimarães por este património que também interveio na conquista da nossa nacionalidade?
Nota: artigo de opinião originalmente publicado na edição #04 do Jornal de Guimarães, a 17 de julho de 2021