Teatro debaixo do céu e das estrelas
Encontro-me neste momento em Lisboa. Aproveito para ver espetáculos na capital e refletir sobre como as artes performativas estão a mudar neste contexto da pandemia. Muitos criadores e criadoras pensam que haverá necessariamente mudanças significativas, seja ao nível da diversificação de horários dos espetáculos, seja através da possibilidade de se juntarem públicos presencias e virtuais. É um momento de experimentação de novas possibilidades.
No entanto, pouca gente fala da necessidade de pensar as artes performativas e as artes em geral de forma mais sustentável e mais ecológica. Ao nível da iluminação, dos transportes entre cidades das pessoas e dos cenários, a pegada ecológica das artes performativas pode ser pesada. Uma alternativa que já está a ser pensada para os festivais internacionais como o de Edimburgo é a apresentação de espetáculos fora dos edifícios teatrais e ao ar livre.
Nesta semana em Lisboa, vi dois espetáculos em que os próprios espaços de representação trazem para o evento as suas histórias, memórias e estruturas materiais. Estes espetáculos foram Sonho de August Strindberg nas ruínas do Convento do Carmo e Antígona de Sófocles, no Teatro Romano. O primeiro, encenado por António Pires para o Teatro do Bairro, faz parte de uma série de espetáculos apresentados no mesmo local e que já incluiu As Troianas de Eurípides e a primeira encenação de Rei João de Shakespeare em Portugal. O segundo é encenado pelo dramaturgo André Murraças com um elenco exclusivamente masculino.
Sonho é uma peça de crítica social em que a filha de um deus desce à terra para ver até que ponto as queixas dos humanos são legítimas. Nesta passagem pela terra, são-lhe reveladas injustiças, desigualdades e infelicidades, muitas autoinfligidas pelos próprios seres humanos. Infelizmente, as interpretações do elenco foram bastante desiguais e a encenação aproveitou pouco um espaço maravilhoso em que o céu, as estrelas e as próprias ruínas do convento faziam parte da experiência teatral.
Antígona, pelo contrário, aproveitou bem os espaços cheios de história do Teatro Romano para encenar um espetáculo bem conseguido sobre a questão do poder e a legitimidade da resistência. O facto de ser um elenco exclusivamente masculino não impediu uma ênfase sobre o poder patriarcal e a sua marginalização das mulheres, tendo permitido ainda uma abordagem à questão do género como algo fluido e performativo. Os figurinos tiveram um papel importante na criação desta ambiguidade de género. Os sons das pessoas a passar fora do espaço fizeram também a sua parte num espetáculo onde o teatro e a cidade se misturavam.
É importante pensar em espetáculos fora dos edifícios teatrais, seja ao ar livre, seja em espaços da cidade que normalmente não os acolhem. É bom para o ambiente e bom para os públicos e, por estas razões, muito bom para o teatro.