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Temos diálogo e agora haverá coragem?

Nuno de Vieira e Brito
Opinião \ segunda-feira, setembro 23, 2024
© Direitos reservados
O Diálogo Estratégico reconhece que a transição dos sistemas agro-alimentares apresenta inevitavelmente interesses contraditórios e trocas complexas que só podem ser resolvidos através de compromissos

Fruto da muito justa contestação dos agricultores (e ainda relativamente atual), a Presidente da Comissão Europeia lançou o Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Agricultura da EU, que reuniu sociedade civil, comunidades rurais e meio académico para um olhar atento sobre novas (ou outras) perspetivas para a agricultura, a alimentação e as zonas rurais do no continente.

Coordenado pelo Professor Peter Strohschneider, com larga experiencia dada a liderança na "Comissão para o Futuro da Agricultura" no governo alemão, o grupo responsável apresentou as suas conclusões em 4 de setembro deste mês. Pouco se tem, todavia, refletido sobre este importante documento, talvez pelas preocupações maiores na nomeação dos novos responsáveis da Comissão Europeia, com a entrega da pasta da Agricultura ao representante luxemburguês.

Nas suas recomendações, o Diálogo Estratégico reconhece que a transição dos sistemas agro-alimentares apresenta inevitavelmente interesses contraditórios e trocas complexas que só podem ser resolvidos através de compromissos. Para tal, enuncia dez princípios políticos orientadores: i) O momento da mudança é agora; ii)  A cooperação e o diálogo em toda a cadeia de valor alimentar são fundamentais; iii) As medidas políticas devem ser coerentes e criar poderosos ambientes favoráveis baseados em sinergias frutuosas; iv) A produção alimentar e agrícola desempenham um papel estratégico no novo contexto geopolítico como parte essencial da segurança europeia; v) O papel dos jovens na agricultura e nas zonas rurais e a diversidade dos sistemas alimentares e agrícolas europeus constituem um trunfo importante; vi) A sustentabilidade económica, ambiental e social podem reforçar-se mutuamente; vii) Os mercados devem impulsionar a sustentabilidade e a criação de valor em toda a cadeia e internalizar melhor as externalidades; vii) As oportunidades da tecnologia e da inovação devem ser aproveitadas para apoiar a transição para sistemas agro-alimentares mais sustentáveis; ix) A transição para regimes alimentares equilibrados, mais saudáveis e mais sustentáveis é essencial para uma transição bem sucedida; x) As zonas rurais atrativas são de importância crucial para a segurança alimentar, a viabilidade futura da sociedade e da democracia liberal.

Com base nestas premissas, que têm como particular interesse, a relevância da renovação geracional como fundamento de desenvolvimento das zonas rurais, a necessidade de criação de valor e o conceito de sustentabilidade em todos os seus domínios, o papel da produção agrícola e alimentar na segurança europeia, convém destacar a que interliga a dinâmica do desenvolvimento rural e da segurança alimentar com o modelo de sociedade ocidental, os seus valores e a democracia liberal.

Apresenta, então, um conjunto extenso de ações que aconselham a reforma de algumas medidas e indicia uma nova Politica Agrícola Comum:

  • Pretende reforçar a posição dos agricultores na cadeia de valor alimentar, através da cooperação, da redução de custos, do aumento da eficiência e da melhoria dos preços e de rendimento no mercado.
  • Adota uma nova abordagem para alcançar a sustentabilidade, com um sistema de avaliação comparativa a nível da UE de sistemas agrícolas e alimentares com o objetivo de harmonizar metodologias de avaliação da sustentabilidade nas explorações agrícolas.
  • Prepara uma Politica Agrícola Comum, que esteja adequada para responder aos desafios atuais e futuros e para acelerar a transição em curso dos sistemas agro-alimentares para um futuro mais sustentável, competitivo, rentável e diversificado. Alguns pontos indicativos merecem especial atenção: o de prestar apoio socioeconómico orientado para os agricultores que dele mais necessitam; o de promover resultados positivos para a sociedade em termos ambientais, sociais e de bem-estar dos animais; e o de dinamizar as condições propícias para as zonas rurais.  Esta forma direcionada de apoio específico pretende evitar o abandono das explorações e ajudar a garantir que os agricultores possam um rendimento decente, visando os mais necessitados, em especial as pequenas explorações agrícolas e as explorações mistas, jovens agricultores, novos operadores e em zonas com condicionalismos naturais.
  • O modelo de financiamento da transição deve mobilizar capitais públicos e privados, nomeadamente pela criação de um Fundo Temporário para uma Transição Justa, fora do âmbito da PAC, para complementar apoio à rápida sustentabilidade do sector.
  • A sustentabilidade e a competitividade na política comercial devem ser asseguradas e a abordagem de negociações sobre a agricultura e o sector agroalimentar deve ser revista.
  • Deve ser promovida uma escolha saudável e sustentável, com politicas do lado da procura que abordem os sistemas agro-alimentares no seu conjunto, para criar ambientes alimentares propícios, onde estejam disponíveis regimes alimentares equilibrados, menos intensivos em recursos e saudáveis, acessíveis, económicos e atractivos. Valoriza a tendência na UE para uma redução do consumo de certos produtos de origem animal e um interesse crescente interesse pelas proteínas de origem vegetal.
  • Pretende reforçar as práticas agrícolas sustentáveis, contribuindo para a proteção e a recuperação do clima, ecossistemas e dos recursos naturais, incluindo água, solo, ar, biodiversidade e paisagens.
  • Valoriza o objetivo da redução das emissões de gases com efeito de estufa na agricultura, trabalhando numa combinação coerente de políticas, incentivos e medidas regulamentares, a fim de avançar para os objetivos de redução das emissões estabelecidos
  • Cria percursos para uma pecuária sustentável na UE, numa estratégia sobre o papel da

da criação de animais, com base em dados científicos sólida e na consulta de todas as partes interessadas. 

  • Valoriza novas ações para melhor preservar e gerir as terras agrícolas, uma agricultura resistente à água e abordagens inovadoras de melhoramento de plantas.
  • Deve ser promovida uma gestão sólida dos riscos e das crises, para reforçar a prevenção dos riscos e a adaptação a nível das explorações agrícolas.
  • É fundamental um sector atraente e diversificado, em que a renovação geracional deve ser impulsionada, facilitando a mobilidade das terras, um apoio financeiro adequado e promovendo uma melhor educação.
  • O acesso e a melhor utilização do conhecimento e da inovação, que desempenham um papel fundamental na transição do sector agroalimentar, deve ser incentivado.
  • Uma mudança de governação e nova cultura de cooperação é fundamental, assegurando a exequibilidade e a coerência entre os diferentes domínios de intervenção e ultrapassando o pensamento isolado.

Um documento inteligente, completo e com estratégias de Futuro. Ambicioso porque implica mudanças (de governação, de gerações, de atitudes) e suportado em reforço de apoio ao Mundo Rural. Haverá coragem?

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