Todos podemos ser Almirante Gouveia e Melo
Todos nos lembramos do início do processo de vacinação no nosso país. Dia após dia as notícias eram sobre casos de vacinação indevida: as pastelarias no Porto, os políticos, os autarcas, os amigos, os familiares, até no Hospital da Cruz Vermelha, “casa” de Francisco Ramos, nomeado pelo governo, para liderar a task-force. Estávamos em Fevereiro e a média de vacinas administradas era de 10 mil por dia.
O político Francisco Ramos, secretário de estado em 5 governos socialistas, esteve 71 dias na coordenação do plano de vacinação contra a covid-19. Foram dois meses caóticos, pensados para grupinhos/clientelas, cheios de “cunhas”, ineficientes e geradores de mal-estar e divisão entre a população, um retrato fiel da governação pública em Portugal. Algo a que estamos habituados, e por isso já nem estranhamos.
É então que surge o Almirante Gouveia de Melo. Desconhecido do público, este que é hoje um herói para os portugueses, tem uma carreira notável nas Forças Armadas, construída a pulso e no ramo mais difícil da Marinha: os submarinos. Descrito como “duro”, porque exige o melhor das pessoas e não tolera facilitismos, Gouveia e Melo revolucionou o processo de vacinação. Graças a ele, e à equipa que comanda com rigor militar, Portugal, este mês, foi o país com a mais alta média de vacinas administradas no mundo, tendo batido várias vezes os recordes diários de vacinação, com 600 mil vacinas administradas em 4 dias! Quem já teve a oportunidade de se deslocar a um centro de vacinação, constatou o enorme profissionalismo com que todo o processo logístico decorre, fruto também do esforço e dedicação dos voluntários e do pessoal médico que abraçaram esta missão.
Este magnífico trabalho do Almirante está literalmente a salvar o país e, quero acreditar, também nos salvará figurativamente. Há um enorme simbolismo representado no Almirante Gouveia e Melo. É um militar, que nos recorda a importância das forças armadas em momentos decisivos da nossa história, e deveria levar-nos a questionar porque é que estão subaproveitadas. É um marinheiro e Portugal cresceu sempre que se virou para o mar. Foi no mar que demos mundos ao Mundo e continuamos a desprezar este que é o nosso maior património. É um timoneiro que sabe por onde ir e não se assusta com as tormentas do caminho, lidera pelo exemplo, algo que normalmente não vemos em Portugal.
A admiração que todos temos pelo Almirante é justíssima pelos excelentes resultados obtidos, mas é também ampliada pela nossa estranheza quanto à competência, rigor, disciplina e sentido de responsabilidade de um líder. Estamos tão habituados à corrupção, ao nepotismo, à “cunha”, que levam a que os cargos públicos sejam ocupados pelos amigos, os familiares, os que colegas do partido, que quando vemos alguém competente e íntegro, logo o elevamos ao estatuto de herói nacional. Imaginem o país que seríamos se, em vez de boys e girls dos partidos, tivéssemos os melhores, os mais competentes, os Gouveia e Melo, nas funções de gestão do Estado. Se conseguiu imaginar um país ao nível dos melhores da Europa, consegue perceber o que a corrupção nos está a tirar.
Em entrevista ao jornal Expresso, Gouveia e Melo diz que os portugueses estão sempre à procura de um D. Sebastião, mas “o Sebastião está dentro de nós, não temos de procurar por ele”. Todos nós temos o dever, as capacidades e o poder para colocar Portugal nos melhores rankings do mundo tal como o Almirante, comecemos por não tolerar malandros, comecemos por não eleger corruptos.
Nota: artigo de opinião originalmente publicado na edição #04 do Jornal de Guimarães em Revista, a 18 de julho de 2021