Temos de voltar às bases fundadoras que fizeram Guimarães uma cidade única
Cientista, vive rodeado pela matemática num mundo onde tudo se resume a “zeros” e “uns”. Ainda assim é guiado pelo espírito religioso. Os seus trabalhos foram até agora citados por 7.428 investigadores no mundo inteiro. Tanto pode ser encontrado a conferenciar sobre Inteligência Artificial em Japão, Colómbia, Itália, USA e Correia do Sul, como presidindo à Mesa da Irmandade de S. Torcato para decidir coisas da terra. Aos 56 anos, Paulo Novais, Professor Catedrático da Universidade do Minho, recebe a medalha de Mérito Científico atribuída pela Câmara Municipal de Guimarães. É mais do que motivo para uma conversa.
ENTREVISTA E FOTOS: Esser Jorge Silva e José Luís Ribeiro
- Que significado tem para si a Medalha de Mérito Científico atribuída pela Câmara de Guimarães no dia 24 de junho?
Bem eu sou Vimaranense, natural de São Torcato, esta é a minha terra! Foi aqui que me fiz homem, onde tenho amigos de infância, onde conheço e reconheço as ruas e as pessoas, onde vivo e tenho a minha família. Esta é a terra onde me sinto em casa, onde estou em casa… Guimarães é para mim o centro do mundo, o meu centro do mundo. É me difícil expressar por palavras o que me vai na alma. Sempre me preocupei em seguir um caminho que entendi ser o certo. Ver esse percurso ser reconhecido e apreciado é algo que nunca imaginei nem sonhei, e olhe que sonho muito! Ser agraciado, ainda mais por Guimarães é muito simplesmente extraordinário. E, claro, estou muito grato a todos que para tal contribuíram!
- E qual o estado de alma neste momento?
Numa música americana que muito aprecio canta-se: “Like when I close my eyes / And don't even care if anyone sees me dancing / Like I can fly /And don't even think of touching the ground” [N.R.: Kenny Chesney, “When I Close My Eyes”, 1999]. É um pouco como me sinto… Estou a voar, a sonhar, e não quero sequer pensar em pousar… Só posso dizer: obrigado Guimarães por esta honra que nunca esquecerei… E, claro, também pela responsabilidade que me colocam de ter de continuar a honrar, com o meu trabalho e exemplo, a minha Terra.
- Tem uma vida dedicada desde o “paleolítico informático” até à Inteligência Artificial de que é uma das referências mundiais. Como se constrói uma carreira assim?
Sempre me vi ligado às tecnologias, à engenharia. Um professor um dia, questionou-me o que havia por de trás de uma montanha. Essa questão, que julgo não fui capaz de responder, marcou me para toda a minha vida. Desde esse dia que eu quero percorrer o caminho que me leva a ser capaz de imaginar, de antecipar, ver o que está (ou pode estar) por de trás de uma montanha.
- Como foi o percurso?
Fiz um percurso ascendente e de curiosidade, desde estudante na escola de São Torcato, passando pela Veiga e a Francisco de Hollanda e terminando o meu curso de Engenharia de Sistemas e Informática pela Universidade do Minho em 1992. Fui, então, convidado para entrar na Universidade do Minho como Assistente Estagiário, perdendo pelo caminho uma bolsa de estudo que pagava mais e me daria mais tempo para estudar, mas a honra (mais uma vez para mim) de ser membro da Universidade encantou-me e fez-me sonhar. Segui para Mestrado em Informática que finalizei em 1996 e o Doutoramento em 2003, sempre tentado conhecer outras paragens e perspetivas para enriquecer as minhas perceções sobre o mundo. Em 2011 fiz a minha Agregação e aí foi o momento na minha vida em que senti que todos os sonhos eram possíveis. Um pouco a imagem de Bernardo de Chartres, no século XII, que abordava a metáfora dos anões estarem sobre ombros de gigantes e que Isaac Newton, no século XVII, eternizou “se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”.
- Recentemente subiu a professor Catedrático, o máximo que se pode almejar na academia…
Sim, sou professor Catedrático e continuo a sonhar, mas também a estar grato a todos os meus Mestres que me indicaram o caminho… À Universidade do Minho, a casa onde trabalho e onde me sentei em ombros extraordinários para ver mais longe. Em especial, ao Professor Maia Neves, meu orientador de Doutoramento, e nele todos os meus Mestres só posso agradecer com um muito, muito obrigado. Porque ensinaram-me a pensar diferente e a ser resiliente, a ter capacidade de nunca desistir. E claro, tudo isto com a minha família e amigos que sempre me apoiaram e iluminaram o meu caminho.
- O que faz a felicidade de um académico hoje?
Depois de todo um caminho em que trabalhando numa Escola de Engenharia, que tem como tradição uma forte ligação ao meio e a sociedade, contribuí para o desenvolvimento, perdoem-me a imodéstia, de um dos melhores grupos de Inteligência Artificial (IA) de Portugal e reconhecido internacionalmente. Acredito que, como refere Yann LeCun, Prémio A.M. Turing 2018, que “a inteligência é o que nos torna humanos, e a Inteligência Artificial é uma extensão dessa qualidade”. Quero hoje continuar nesta direção de contribuir para uma sociedade mais humanizada onde a IA pode dar um forte contributo para uma sociedade mais próspera e progressista, mas sempre centrada no Homem e nos valores da humanidade. É nisso que acredito, é a minha ambição… No fundo, o meu sonho. A minha felicidade passa por aqui…
- E há limites para essa felicidade ?
Vivemos tempos, em que a humanidade está em passo acelerado em busca de uma perfeição, a imagem e semelhança dos Deuses, quando o que nos torna tão especiais é, na verdade, a beleza das nossas imperfeições.
- Atualmente é possível a um jovem almejar uma carreira académica como a sua?
Ter uma carreira é, antes de mais, desenvolver e viver um caminho. O caminho é sempre único porque é o nosso exclusivamente. Diria que sim, como em qualquer carreira a capacidade de sonhar é fundamental. Há que encontrar a questão que queremos responder, o produto ou processo que queremos criar, a peça de arte que queremos imaginar, ultrapassar a nossa montanha… Essas são as condições necessárias: ser positivo, resiliente, ser determinado e nunca desistir; ter vontade de apreender e de conhecer; acreditar em si mesmo e nos outros; observar e nunca se fechar em si mesmo… Esse é o segredo, o resto vem por acréscimo. Alguém uma vez disse algo do género “A vida não consiste em ter boas cartas na mão, mas sim em jogar bem as que se tem” e sonhar… Ou se preferir como diz, e bem, o Buzz Lightyear em Toy Story “Para o Infinito e Mais Além”
- O que é preciso ao Concelho de Guimarães para haver um salto de desenvolvimento estruturado e consolidado?
Guimarães tem dado saltos bem estruturados e até consolidados com projetos e desígnios planeados e bem estruturados como ao nível do património com a UNESCO em 2001, o reconhecimento na Cultura com a Capital Europeia da Cultura em 2012, no Desporto com a Cidade Europeia do Desporto em 2013 e agora com a candidatura a Capital Europeia Verde, que foram e são projetos estruturantes que tinham uma ambição de fazer progredir Guimarães e isso foi conseguido. Estamos hoje noutro patamar de progresso e somos uma outra cidade. Agora, na minha humilde opinião, temos de voltar às nossas bases fundadoras que fizeram de Guimarães, uma cidade única.
- E como se faz isso?
Recuperar o nosso espírito empreendedor e orientá-lo para as indústrias e serviços do futuro num contexto de uma sociedade mais verde e consciente do seu ser. Temos infraestruturas únicas e modernas em que o Deucalion, o supercomputador instalado na Universidade do Minho, é um bom exemplo. Temos recursos humanos criativos e com talento que vêm das instituições de ensino da cidade quer sejam de ensino superior ou profissional. Estamos a desenvolver conhecimento em IA. Temos uma tradição de empreendedorismo, de fazer bem e receber bem. Temos um legado de uma história única… Portanto temos de ter o engenho, de agora, planear um território capaz de criar as condições de progresso e modernidade para reter e atrair gente talentosa e ambiciosa para participar numa nova história de sucesso e progresso.
- Como articula interiormente o dogmatismo da verdade Religiosa com a verdade falsificável da Ciência?
Sou por formação, ou defeito de formação, alguém que tenta entender e modelar o mundo que me rodeia usando a matemática (a ciência). Para mim tudo são zeros e uns. Mas reconheço que a frieza dos números é redutora e não consegue expressar na plenitude os porquês da nossa vida, da nossa existência. Acredito que Deus é a “cola” que une e dá significado aos números, a vida.
- A Covid-19 foi um desígnio ou um descuido da Ciência?
Não acredito nessas coisas, nem nos desígnios nem, neste caso, num descuido. Sempre houve pandemias ao longo da história da humanidade e sempre haverá. Os vírus são parte da nossa vida e, na maioria dos casos, são essenciais e uteis para a vida. Mas, como em tudo, podem sofrer mutações que condicionam a vida… mas como também ficou provado nunca na história da humanidade estivemos tão bem preparados para responder e criar respostas. A ciência e o conhecimento fizeram o seu trabalho…
- Como enfrentou e qual foi o impacto da pandemia no Centro Social Irmandade de S. Torcato?
Confesso que foi um dos momentos mais difíceis da minha vida! Foram momentos de muitas dúvidas, de procura de respostas e soluções que ainda não existiam, mas também de confiança… O Alçada Baptista escreveu num livro fabuloso a “Peregrinação interior” que “é preciso vigilância para os dias de amor e confiança para os dias de desespero e raiva”. Foi o que no Centro Social fizemos com o apoio extraordinário da direção técnica, em especial da Dra. Graça Raposo, dos colaboradores do centro, da comunidade e da Câmara Municipal. Conseguimos superar este momento de difícil… E o Santo do Povo – São Torcato, através da sua Mesa da Irmandade fez o seu papel!
- Ao fim de 8 anos como Juiz da Irmandade de S. Torcato, que balanço faz do trabalho realizado?
Como afirmava Gandhi “quem não vive para servir, não serve para viver“. Esse foi sempre o meu mote aqui na Irmandade – Servir uma causa maior! É o que esta Mesa da Irmandade tem vindo a fazer ao longo destes já 8 anos de serviço. Têm sido anos de muito trabalho, mas em que conseguimos fazer acontecer coisas muito bonitas e que julgo fizeram felizes muitos devotos e irmãos do Santo Povo.
- Como por exemplo…
Refiro a elevação a Basílica do então Santuário de São Torcato, novas peças de arte na Basílica, novas acessibilidades inclusivas como a colocação de um elevador de acesso ao adro da Basílica, a requalificação da Capela da Fonte do Santo, de equipamentos desportivos e dos parques de lazer, a recuperação da tradição dos fornos a lenha no Terreiro de São Torcato, a publicação de novos livros sobre são Torcato e a sua influência no vale e na comunidade, a realização de conferências com novos olhares sobre São Torcato, recuperar a essência e a grandeza da Romaria a são Torcato e muito mais… São anos de muita dedicação e trabalho, mas com a certeza que esta mesa foi capaz de servir com dedicação, empenho e sucesso São Torcato. Vimos, ainda, recentemente esta dedicação ser reconhecida com a recolocação histórica do Dia de São Torcato no calendário litúrgico da Arquidiocese de Braga, o dia 27 de fevereiro – o dia de São Torcato!
16. É uma pessoa de fé?
Sim… Para mim Deus é a “cola” que une e dá significado aos números… À vida!
17. Existe alguma figura da Igreja Católica que mais o tenha marcado e tenha influenciado o seu quotidiano ?
Obviamente e sempre, São Torcato.
"5 respostas rápidas" |
Um bom Bacalhau assado na Brasa.
Estou a reler de George Orwell - 1984
She na versão de Elvis Costello.
A saga de Star Wars, bem sei que são vários mas de algum modo estou aqui por que eles me influenciaram...
Andar de mota... e ser livre. |
[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de julho de 2024 do Jornal O Conquistador.]