A elegia do silêncio
Apesar da hora, sente-se uma excitação latente no grupo. Não se veria nada neste breu, não fosse uma maravilhosa lua cheia a enfeitar o firmamento. O telejornal turco deu mesmo destaque a esta super lua, fotografada atrás da Mesquita Azul, em Istambul. Um cenário tão impossível que parecia fruto de Photoshop.
Mas tergiverso. Voltemos ao caminho que nos espera uma experiência impactante: vamos voar num balão de ar quente. E não será num sítio qualquer, mas na Capadócia. Porque há experiências que se adequam a sítios determinados e as paisagens feéricas da Anatólia Central são qualquer coisa de incrível.
A carrinha estaca no meio de nenhures, entre algum pó, e formas estranhas ganham definição nas nossas pupilas. As equipas começam a encher os balões, até ficarem na vertical, altura em que é possível embarcar. O balão eleva-se suavemente, seguindo sem rumo nem destino marcado, ao sabor do vento. As paisagens desfilam em vários tons, porque entretanto o sol nasceu, emprestando ao mundo cores sucessivas.
Dezenas de balões salpicam o céu, num momento que pede contemplação tranquila. Tudo o que esperava nesta hora era silêncio, luxo raro neste mundo ruidoso (a este propósito, sugiro a leitura de “Silêncio na era do ruído”, do explorador norueguês Erling Kagge).
Cada vez mais faço pausas para o silêncio, procuro a solidão e dou-me lindamente com ela. Claro que uma boa conversa não tem preço e a música transporta-nos para lugares, momentos e pessoas, numa doce nostalgia. Mas não precisamos de sons de fundo em todo o lado, a toda a hora, seja da televisão, do telemóvel, da rádio.
Já nos basta o barulho diário do trânsito – equivalente a níveis sonoros entre os 50 e os 55 decibéis nas grandes cidades – que pode interferir negativamente com os batimentos cardíacos de quem escuta, produzir cortisol (a hormona do stress) acima da média e afetar a pressão arterial. Há alguns anos, a Organização Mundial da Saúde chamou à poluição sonora de “praga moderna”, concluindo que a exposição constante ao barulho tem efeitos adversos sobre a saúde humana.
Voltemos ao balão, que sobrevoa neste momento o castelo escavado na rocha de Uçhisar. Um momento perfeito para a fotografia, mas também para a tal contemplação silenciosa. Só que o nosso grupo inclui algumas famílias, e os miúdos estão cheios de adrenalina. Falam incessantemente, sobre o voo, sobre os outros balões, sobre a foto que não ficou como pretendiam.
O silêncio está mesmo em vias de extinção, penso com os meus botões, que é algo que faço também com frequência, em voz alta ou apenas mentalmente. Alguma prática de meditação permitiu alhear-me, em parte, da cacofonia adolescente, mas a experiência poderia ter sido mais… perfeita. Houve um momento em que todos se calaram em simultâneo, permitindo vislumbrar o zen de um voo sem barulho, um mundo suspenso no tempo e no espaço.
Sonho cumprido, da longa lista de experiências que quero ter antes de morrer, mas agora junta-se outro. Voar num balão exclusivo, no mais profundo silêncio.
Ruthia Portelinha, viajante e autora do blog O Berço do Mundo