A evocação dos “povos laboriosos” dos castros, em 1891
As ideias desenvolvidas por Karl Marx e Friedrich Engels não tiveram apenas um significativo impacto nas correntes políticas dos séculos XIX e XX, mas também na investigação no domínio das ciências sociais. Esta influência foi visível numa perspetiva da evolução das comunidades humanas conhecida como "materialismo histórico", segundo a qual, resumida aqui de um modo muito simplista, a História e as suas dinâmicas implícitas, são sempre estimuladas e condicionadas pela luta de classes e pela detenção dos meios de produção.
Esta perspetiva, que apenas circunstancialmente pode ainda considerar-se válida, influenciou algumas personalidades portuguesas do século XIX. É o caso de José Correia Nobre França, um dos fundadores e dirigentes do Partido Socialista Português, criado em 1875, e que se manteve ainda durante a Primeira República.
A obra de Nobre França, não muito conhecida hoje, pode considerar-se um exemplo bastante claro de uma perspetiva marxista da história. É disto exemplo a volumosa obra “A Philologia perante a História", cuja publicação, em 1891, foi noticiada nesse ano pelo Comércio de Guimarães. A razão para esta notícia local foi a ampla descrição das ruínas da Citânia, que surge algures por entre as centenas de páginas do alfarrábio. E se o detalhe na descrição dos vestígios ─ seguramente lido das publicações de Sarmento, elogiado pelo autor ─ é notável, o mesmo não se pode dizer das informações cronológicas, atirando as construções citanienses para uma época muito mais recuada.
Frontispício da obra de Nobre França, da biblioteca de Francisco Martins Sarmento
Mas o mais interessante, numa obra consagrada "ao culto das legiões socialistas" (na dedicatória), é a aplicação evidente do materialismo histórico, na descrição de uma sociedade sem classes: "N’esses tempos as cidades não eram o resultado de aglomerações de classes, nem metrópoles comerciaes, nem residências de côrtes, nem centros de poderes e funccionários públicos. Eram simplesmente cidades de povos laboriosos.” (na página 521). Enganado estava Nobre França... Pois que, embora sem dúvida laboriosos, os povos que habitavam esta e outras cidades antigas, viviam sob uma sociedade estratificada e ritualizada, não propriamente pautada pela liberdade individual. Mas, contudo, o seu texto, quase literário, é uma peça interessantíssima, que merece bem ser revisitada.