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A mente febril

Esser Jorge Silva
Opinião \ terça-feira, julho 25, 2023
© Direitos reservados
A mente febril questiona, interroga, pressiona, aponta, propõe, agita-se. É irrequieta, viciada no conhecer. Quanto mais sabe, mais quer saber. Quanto mais percebe, mais quer entender.

Quanto mais aprofunda, mais fundo cava.

A mente febril fervilha a todo o momento. Está sempre à procura de algo novo orientado para a ideia de um mundo melhor. As suas fundações assentam na aliança entre a ideia do bem como fim e a busca da felicidade humana como objetivo. É uma mente sempre recetiva ao diferente, ao reconhecimento da falha, à experiência, ao observado, ao testado, o que a caracteriza por ser uma mente aberta. A mente febril é, por natureza, inconformada. Nada está conforme, tudo está em transição. Tudo é possibilidade e nada se esmorece secundado pelo medo. É uma psique dominada pela temperatura certa no pensar. Nem se arrepia com o frio nem se pasma com o calor. Pela sua inquietude, a mente febril questiona, interroga, pressiona, aponta, propõe, agita-se. É irrequieta, viciada no conhecer. Quanto mais sabe mais quer saber. Quanto mais percebe mais quer entender. Quanto mais aprofunda mais fundo cava.

À descoberta de uma solução, a mente febril não festeja nem descansa. E, como obra inacabada, está sempre pronta a enunciar outros problemas a resolver. Tal como a utopia, a mente febril forja-se num permanente estado inacabado. Ninguém lhe conhece o início mas todos sabem que não tem fim. Nunca se esgota. Registou Eduardo Galeano, uma mente em permanente temperatura, que a “utopia” está ali. Damos dois passos e sua direção e ela afasta-se dois passos. Corremos atrás e ela afasta-se na mesma velocidade. Ainda assim, nunca se desiste da caminhada em direção a essa maravilhosa e infinda ilha pensada por Thomas More.

A mente febril nunca reverte. Nunca caminha para trás. Tem sempre o porvir como ponto de orientação. E sabe que o porvir é perene. Intérmino.  Esse é o motivo por que a mente febril não se lembra das origens nem imagina o finito. É buliçosa a todo o momento e, talvez por isso, está sempre de partida sem se dar conta de tempos de chegada. Aliás, a mente febril nunca chega. O objetivo é condição que anula a fronteira entre a chegada e a partida. Sem metas, propriamente dito, a mente febril é como Heródoto: segue andando colhendo nas andanças e distribuindo ao longo do percurso, nada se importando sobre a condição de quem recebe. Segue. Apenas.

A mente febril não pára mesmo quando o seu possuidor dormita. É nesse limbo nubloso onde a névoa anula as arestas da vida que se mostram as ideias límpidas com toda a clareza. A grande intelectual Hannah Arendt tinha a particularidade de pensar dormitando no seu apartamento de Nova York. Fazia-o num sofá, de cigarro aceso. À vezes, o seu cigarro resultava num longo, curvo e sustentado prego de cinza. Era nesse estado de aparente desligar que lhe saíam os melhores pensamentos. O resultado, como se sabe, foi uma obra original e brilhante.

A mente febril oferece-se a todos, não distinguindo as cabeças onde vai pousar. Não se liga a condições de divisão estatutária. Está na cabeça de todos. Mas, ingloriamente, nem sempre tem ignescência, como quem diz, nem sempre o seu dono roda a chave da sua ignição para dar largas ao seu funcionamento. A mente febril é uma possibilidade inscrita em todos os corpos mas apenas aproveitada por uma insignificante minoria de encéfalos. Não se pode dizer que os não aproveitadores das capacidades dadas pelo criador revertam para a condição de acéfalos. Nada disso! Mas pode-se afirmar que o comportamento de quem não expressa as idiossincrasias se aproxima de mentes acéfalas. Nesse caso é preciso resistir. Forçar a musculatura das meninges. S. Cristóvão, quando ainda no estado cinocéfalo – corpo de homem com cabeça de cão, não se conformou: resistiu e transformou-se, primeiro num homem e, posteriormente, no santo padroeiro dos viajantes.

A mente febril é reflexiva. Lê livros. Reflete. Pensa. E quando pensa e reflete desconfia de si. Duvida. Suspeita da facilidade. Nesse caso volta a ler. Volta a refletir. Volta a pensar. Se dúvidas persistirem regressa ao princípio e tenta novamente. Mas nunca desiste.

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