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Vitória de Guimarães - A Deusa, o Clube e a Terra

Esser Jorge Silva
Opinião \ quinta-feira, outubro 27, 2022
© Direitos reservados
Para entender a escolha do nome Vitória, há que recuar ao tempos da fundação, em termos históricos situado na transição do século XIX para o século XX. Trata-se de uma transição que altera costumes.

Naturalizado e embrenhado na consciência coletiva vimaranense, o nome do clube Vitória não se presta a discussões. Qualquer tentativa de se identificar os motivos da escolha deste nome para nomear o grande clube de Guimarães encerra-se numa espécie de tautologia: é assim porque é assim. É Vitória porque não podia ser outro nome. O máximo que se tem conseguido admitir, sem que para tal haja qualquer prova, é a associação do Vitória Sport Club de Guimarães ao Vitória Futebol Cube de Setúbal. Apesar de tudo, subsiste uma pergunta que deve ser respondida: por que se decidiu designar o club mor vimaranense de “Vitória”? Qual a razão por que não se chamou Futebol Club de Guimarães ou Sporting Club de Guimarães ou Guimarães Futebol Club?

Não se pode descartar a hipótese de inspiração no nome do Vitória Futebol Club de Setúbal, uma vez que este club foi fundado em 1910. Aceita-se. Mas a atribuição do nome “Vitória” a um clube de futebol que se pretendia representativo da terra, tem de ser explicado à luz da significância do nome e não segundo um acaso de mera afetividade estético-sonora com determinada expressão ou mesmo segundo o princípio da imitação. Para entender a escolha do nome Vitória há que recuar aos tempos da sua fundação, que em termos históricos deve ser situado na transição do século XIX para o século XX. Trata-se de uma transição que altera costumes e, entre ruturas, vai-se dando coexistências.

A implementação do futebol faz parte desse tempo. Marca uma linha de fronteira entre a malha mental conservadora e a vontade de um mundo menos preso a regras costumeiras. Em “Os Maias”, livro de 1886, Eça de Queiroz opõe esta transição dos modos de estar na sociedade tradicional portuguesa, fechada na educação segundo os seus costumes e da sociedade dinâmica e aberta, educada à “inglesa”, fundada em idiossincrasias bem expressas na popularidade do futebol, um jogo simples inventado pelas elites inglesas e logo apropriado pelas classes populares. Daí que, aos jogos dos jovens rapazes jogados na cidade, respondiam os vimaranenses mais velhos com críticas à “gandulagem” que viam nos iniciantes “sportman” de Guimarães.  

É nesta mutação que nasce o Vitória Sport Club. Sabe-se, por inferências, que tal ocorreu na segunda metade de 1922, em data imprecisa. Não se chamou “Grupo de Foot-Ball Vimaranense” como o clube que aparecera em 1913 e se esfumou como outros. Mas, tal como este grupo, o Vitória nasce das movimentações da elite. Inclusive, embora pouca, tem atenção dos jornais locais. É aí que se descobre que a primeira direção do Vitória, agora identificada, sem sombra de dúvidas, por Amaro das Neves, resulta de gente bem posta e não de populares. Mariano Fernandes da Rocha Felgueiras, primeiro presidente do Vitoria, aos 18 anos, era filho de Mariano Felgueiras, presidente da Câmara de Guimarães. Trata-se então da afirmação jovem mas com o beneplácito dos mais velhos que, por esta altura, almejavam ter um clube capaz de representar os vimaranenses assim como desejavam afirmar a terra no confronto com os clubes representativos de outras paragens.

E qual a razão para o clube se denominar Vitória? A única explicação possível encerra-se na própria expressão e à sua significância mitológica que alude à Deusa Vitória. Na mitologia romana, a Deusa alada Vitória sobrevoava os vencedores de uma guerra distribuindo louros – daí a coroa de louro. Vitória, a Deusa, é a última personagem a entrar em cena na primeira batalha, em S. Mamede, ato que funda a nacionalidade e origina o país. Esta batalha é a primeira “conquista”, expressão que resulta do ato de “vincere” que, não por acaso, quer dizer “conquistar” e que, não menos por acaso, se tornará no cognome de Afonso Henriques. “Vencer”, “conquistar” e Vitória, a Deusa alada, tornam-se entidades que ajudam a empreender os arquétipos da primogenia vimaranense. Vitória pois, é o nome do clube, por todas as razões que o cofre da malha mental vimaranense guarda.

O recurso à mitologia para explicar fenómenos da cultura vimaranense era, ao tempo, não só o resultado da aprendizagem clássica, como apanágio da expressão simbólica das idiossincrasias da terra. Por exemplo, Minerva, Deusa Romana das artes e da sabedoria era, então, invocada pelo redator do pregão em busca da verve e inspiração. É também significativo que o emblema Vitoriano tenha começado por ser um simples “V”, letra que se expressa com os dedos indicador e médio abertos. É, todavia, mais significativa a transformação para o icónico emblema atual que o Coronel Mário Cardoso desenhou nos inícios de 1930 e cujo símbolo gráfico inclui o rei vitorioso e conquistador D. Afonso Henriques, portanto, possuidor da coroa de glória de Vitória.

Esta imbricação entre Vitória, clube, Deusa e a história de Guimarães, resolve o problema de quem não consegue entender que Vitória é Guimarães. E que, ao criar o clube, Guimarães invocou Vitória. Portanto, Vitória de Guimarães, Deusa e Clube, expressam exatamente os arquétipos instituídos ao longo da história. Por isso assim se diz popularmente: Vitória de Guimarães.   

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