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Impressões sobre o “sistema”

Esser Jorge Silva
Opinião \ segunda-feira, junho 06, 2022
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Os “antissistema” parecem não querer abandonar a ideia de responsabilidade e juízo. Dizem que a responsabilidade é fundamento da condição humana e o juízo a capacidade de separar o certo do errado.

Tenha atenção leitor, nas linhas adiante vai-se escrever sobre uma figura sinistra. En garde, portanto!

É uma entidade superior, incorpórea, abstrata, intangível, cega, surda, muda, imperativa, temerosa e inultrapassável na vida portuguesa e que, de um ou outro modo, nos esbarramos algumas vezes na vida: chama-se “sistema”. O “sistema” instalou-se de tal modo nas instituições ao ponto de assustar. Ouvir dizer que o problema é do “sistema” é ver-nos cair, em espiral, num buraco negro, sem fim, sugado pela força sabe-se lá de quê, vinda sabe-se lá de onde. Como se sabe, o “sistema” é sistematicamente apresentado (e podia ser de outra forma?) como uma espécie de adamastor cuja fúria demolidora fará de nós um inseto esvoaçando contra tempestades. “Ah, esse problema, não posso fazer nada; isso é do sistema”. Porra, a sério!  

Desgraçado de quem cair num problema cuja resolução passa pelo “sistema”. O sistema é uma espécie de Iran Costa, aquele de “é o bicho, é o bicho” que ia devorar-te. O sistema é um de crocodilo esfomeado, uma pata de elefante pousada sobre o corpo humano. O sistema é muito mais do que um vírus altissimamente contagioso cujas consequências nem é bom lembrar. Apresenta-se como um míssil que tolhe e dá a um qualquer de nós a seiva do exato momento em que depois virá a morte. É uma explosão interna que faz revirar as entranhas e põe qualquer indivíduo a largar-se no seu pior metano. Quando, em alguma repartição, um funcionário evoca o “sistema”, quer dizer que o cidadão entrou numa dimensão de onde sairá corroído pelo ácido sulfuroso do Estado esmiuçando-lhe o tutano.

O “sistema” é filho dileto da burocracia. Digamos que o “sistema” melhorou a linha sucessória da família. A burocracia deixava sempre a ideia de uma fuga através de um “jeitinho”. Aquele momento em que um caridoso funcionário se aventurava em mostrar um dos alçapões da organização e que só uns poucos sabiam existir. Mas o “sistema” é outra coisa. Ao pé de si, Dracon, aquele grego que deu vida à noção draconiana das leis, é um aprendiz de feiticeiro. Muita gente, até quem sabe latim e lembra ditos como dura lex, sed lex, esquece-se que a lei é dura mas no fim ganha o “sistema”. Qual a razão porque ganha sempre o “sistema”? Fácil: o “sistema” não se presta à noção de responsabilidade. Perguntar-se-á porquê. Para começar se fosse o “sistema” a responder, a resposta estava dada: porque é o “sistema” estúpido! Como não é, pode-se ensaiar um pouco mais, fora do sistema.

“Sistemas” não podem ser responsabilizados de nada porque, está bom de ver, qualquer “sistema” é uma tecnologia e, enquanto tal, jamais, em tempo algum, se imputou responsabilidade a algo que não fosse humano. Ora, como é amplamente sabido, o sistema é desumano. Essa é a sua condição de existência. Essa é a sua formação de base. O seu ethos não contém lágrimas amargas de coisa nenhuma. Amargura não faz parte da noção de “sistema”. Compreendamos, “sistema” é uma espécie de cyborg da hodiernidade que antecipa a tecnologia de vigia, com funções de purificação e punição de todos aqueles que se afastaram das linhas programáticas do “sistema”. De futuro já se percebeu a vida dual: de um lado os reles humanos possuídos por essa agridoce sensação da imperfeição. Do outro, essa novel realidade da eficiência despida de sentimentos, convictamente alerta contra comoções.    

Que ninguém fale em consciência. Se “sistemas” tivessem consciência entrariam em negação de si. “Sistemas” são como cães e estes não têm consciência, apesar dos esforços do PAN. “Sistemas” também não precisam de dissertar sobre a sua condição de “responsabilidade”. É preciso ter calma nessas exigências antissistema. Está bom de ver que os antissistémicos não podem com o sucesso das criações enxutas, com amplitude geral e capacidade executiva fatal. É absolutamente claro que todo o “sistema” tem futuro. Já os antissistema, percebe-se, vão perder esta luta.

Os “antissistema” parecem não querer abandonar essa velha ideia de responsabilidade e juízo. Dizem que a responsabilidade é fundamento da condição humana e o juízo a capacidade de separar o certo do errado. Percebe-se que sucumbirão perante o “sistema”. Ou por desespero, ou por loucura.

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