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A sofisticação de um antigo fragmento de compasso

Gonçalo Cruz
Opinião \ quarta-feira, dezembro 06, 2023
© Direitos reservados
A peça que aqui mostramos não era, seguramente, um produto exótico, não obstante à sua raridade entre o espólio arqueológico.

Olhar para as ruínas das vetustas construções da Citânia e para o áspero granito de que eram feitas, pode, por vezes, toldar a nossa vista e fazer baixar sobre este e outros castros, um véu de primitivismo e tacanhez, que não raras vezes associamos a este contexto. Mesmo quando falamos na fase da Romanização, um castro é sempre um castro, mesmo quando os habitantes dos castros eram, nesta fase, os mesmos que começaram a habitar os povoados e cidades ditas "romanas", porque edificadas nesta época. É por isso que certos achados nos surpreendem pela sua sofisticação, sendo rapidamente classificados como exceções e produtos exóticos, quando não tinha que ser assim.

Fotografia: Patrícia Aguiar

A peça que aqui mostramos não era, seguramente, um produto exótico, não obstante à sua raridade entre o espólio arqueológico. Talvez não fosse muito comum na época, ou não fosse manuseado por muita gente, mas não seria propriamente um bem de prestígio. Era um compasso de bronze, uma ferramenta, portanto. Pode ter sido usada por um carpinteiro, por um pedreiro ou mesmo por um "arquiteto", no sentido antigo do termo. Pensar neste objeto evoca-nos rapidamente os círculos perfeitos das casas redondas. Desenganemo-nos, porém, porque a sua edificação perfeitamente circular dispensaria o recurso a um compasso. Talvez este objeto fosse necessário para trabalhos mais minuciosos, quiçá na preparação de superfícies a decorar. Mas será, por certo, material relacionável com a fase de ocupação em época romana, na qual se integram os paralelos conhecidos. Poucos existem por cá. Um deles, de diferente tipologia, apareceu em 2018, em Lisboa, numa sepultura do século III.

Este fragmento, recolhido na acrópole da Citânia de Briteiros, em Agosto de 1876, está incompleto. "Imagine-se um quebra-nozes, menos os cabos"*, anotou então Sarmento. Parece corresponder à charneira que uniria as hastes. Parece também que neste elemento de bronze encaixariam duas hastes de madeira, como já supôs Sarmento, por se notarem dois pequenos orifícios de encaixe na haste mais completa. Contudo, seria mais usual que as hastes fossem também de bronze. Em qualquer caso, é testemunho de ferramenta de primeira qualidade.

* Diário de campo de Sarmento. Citânia, 9 de Agosto de 1876.

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