A perversidade da chamada gestão de recursos
Até prova em contrário, a localização e construção dos hospitais em Portugal vai ao encontro das necessidades da população, em função de uma série de factores entre os quais se encontram as necessidades locorregionais em termos de saúde, mas também a demografia populacional e a insuficiência dos recursos existentes para uma determinada região. O objectivo passa por dotar essas populações de boa acessibilidade e qualidade de cuidados de saúde. Os respectivos hospitais são mais ou menos dotados, mais ou menos diferenciados e de maior ou menor dimensão, dependendo do enquadramento local, regional e nacional, mas também das necessidades evidenciadas para a população a que se destinam.
Uma vez colocados em funcionamento eles invariavelmente constituem-se como mais valias, trazendo uma prestação de cuidados que anteriormente não existiam e das quais muito justamente as pessoas passam a usufruir. Nada mais justo, uma vez que obedecendo aos princípios constitucionais, não há cidadãos de primeira ou de segunda, devendo a acessibilidade e a qualidade ser a melhor e igual para todos. Em função destes princípios, torna-se impossível traçar estratégias que se traduzam por um decréscimo de qualidade, seja por menor diferenciação ou por menor acessibilidade. Vem isto a propósito de uma argumentação actualmente muito em voga, traduzida por aquilo a que as instâncias decisoras do Serviço Nacional de Saúde (SNS) chamam “melhor gestão dos recursos humanos”.
Definitivamente, não é legitimo privar as populações de apropriados cuidados de saúde devido ao SNS não se revelar capaz de atrair profissionais, ou pior do que isso, não os acarinhar e motivar a sua migração para instituições privadas, que lhes oferecem, entre várias mais valias pessoais e familiares, melhores condições de uma forma geral. E por essa razão as populações vão ficando privadas, no âmbito do SNS, de múltiplas especialidades próximas da sua área de residência, tendo de se deslocar muitas vezes bem longe para aceder (a maior parte das vezes após muitos meses de espera) a consultas, exames ou tratamentos que anteriormente tinham disponíveis bem próximo da sua área residencial. Isto traduz um SNS incapaz, incompetente, não cumpridor dos princípios constitucionais, representando uma falência assistencial que é tudo aquilo para que não foi criado. Na realidade, aquilo para que de uma forma vertiginosa estamos a caminhar em Portugal. Com cidadãos de primeira (nos grandes centros do litoral) e de segunda (todos os outros). E com a classe política a fazer de conta que não vê, não engendrando soluções, ao mesmo tempo que a situação se afunda cada vez mais até se tornar absolutamente inaceitável, incompatível com um pais que pertence à União Europeia.
E como estamos em Guimarães? A tentação existe de retirar valências ao hospital local? De lhe retirar diferenciação? Efectivamente a situação deve ser muito vigiada e monitorizada por todos, isto é, pelo poder político local legitimamente eleito, pelas associações locais e pela população em geral, que devem erguer a sua voz e tomar decisões no sentido de impedir qualquer veleidade nesse sentido. Guimarães, em nome de uma região, deve lutar por ter condições locais de prestação de cuidados de saúde para a sua população (nomeadamente hospitalares) ao nível das melhores, fortemente especializadas, independentes, embora trabalhando em rede com as demais estruturas regionais com vista a uma otimização de cuidados, mas não se deixar enlear num “canto de sereias” representado pelas instâncias decisórias que na maior parte das vezes apenas olham para os números, tratando as pessoas como tal, esquecendo-se no âmbito das suas funções de traçar estratégias e criar soluções que respeitem direitos inalienáveis dos cidadãos, nomeadamente no que respeita aquilo que de mais importante todos temos: a nossa saúde! Estamos num período em que qualquer distração pode ser fatal, pela irreversibilidade e perversidade das decisões, que em muito podem penalizar a nossa população, em função dos princípios anteriormente enunciados.