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É a escola política?

Esser Jorge Silva
Opinião \ sexta-feira, abril 21, 2023
© Direitos reservados
A política decorre da necessidade que cada indivíduo tem dos outros indivíduos. E, por ser exterior a cada um, mas necessária para todos, introduz contradições nos espíritos.

Saiu em fevereiro a edição de 2022 do “Democracy Index”, um trabalho anual, publicado desde 2006 da revista britânica “The Economist”. Portugal tem caído no índice. Está agora em 28.º lugar, abaixo da Irlanda (8.º), do Chile (19.º.), das Ilhas Maurícias (21.º), da Chéquia (25º), da Grécia (26.º), ou da Estónia (27.º). Fica classificado como uma “Democracia Imperfeita”. Se estivesse acima do 24º. lugar seria uma “Democracia Integral”. Nas dimensões do índice Portugal fica bem classificado no “Processo Eleitoral e Pluralismo” (9,58/10) e nas “Liberdades Civis” (9,12/10). Cai no “Funcionamento do Governo (7,50/10) mas a desgraça vem na “Cultura Política” (6,88/10) que, sem dúvidas, é diretamente responsável pela “Participação Política” (6,67/10). Isto é, a população portuguesa está mal preparada para as suas instituições. A nossa Cultura Política está ao nível de Timor-Leste (6,88), Malásia (6,25), Jamaica (6,25), Zâmbia (6,88), Albânia (6,25), Gana (6,25), Cabo Verde (6,88). Se quisermos “ser muito bons” podemo-nos comparar com o Bangladesh (5,63), a Libéria (5,63) ou Marrocos (5,63). Estamos, sem dúvidas, muito longe da Coreia do Norte ou Afeganistão (1,25).

Cultura e/ou participação política associam-se aos cidadãos. Se estes não conhecerem os mecanismos e as instituições, saberão pouco, ou mesmo nada, sobre política. É dessa ignorância que sai aquela boutade “são todos uns ladrões”. Ou da outra, mais populistas, “era matá-los a todos!”. Exercícios simples como “quantos deputados tem a Assembleia da República” resultam em respostas inverosímeis. Um estudo coordenado por este escriba mostra que os jovens portugueses entendem instituições como Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro como uma hierarquia de poder e não como instituições de poder separado que se controlam entre si. No mesmo estudo, os jovens admitem que aprendem política sob “descoberta solitária” ou com amigos. Nunca, e em caso algum, “com um professor”. Reside aqui, no ensino das instituições, um problema grave de desconhecimento. Siga-se o exemplo.      

“Nesta escola a política não entra!” Esta frase é uma expressão bramada com orgulho, em amplos pulmões, em praticamente 100% das escolas secundárias em Portugal. Por qualquer razão que escapa, a comunidade dirigente escolar olha para a política como um território exterior a si. E é absolutamente estarrecedor observar como tal frase, quando proferida, estabelece um programa: o programa da escola apolítica. Na medida em que é impossível a apolítica num espaço comunitariamente vivido, o estabelecimento do programa da “Escola sem política” configura uma negação em si, aliás, incompreensível, uma vez que se trata de um enunciado num espaço de ensino onde jamais tal frase poderia ser dita. Até porque, desde logo, configura um ensinamento escolar orientado para o não conhecimento. É como afirmar, “se nada soubermos de política ficamos melhores cidadãos”. Será?

Esclareça-se: num espaço de convivência onde, por natureza existem pessoas, existe desde logo política. Nenhuma afirmação de que a política ali não entra tem cabimento. É uma negação em si. É, também, não compreender que o fenómeno político não decorre de um diretório. Não há um chefe que manda aprender política. É uma obrigação a ser ensinada. Resulta sim, pura e simplesmente, da natureza da vida em sociedade. A política decorre da necessidade que cada indivíduo tem dos outros indivíduos. E, por ser exterior a cada um, mas necessária para todos, introduz contradições nos espíritos. Tanto se tem medo que a política nos destrua, como se receia que, sem ela, deixe de haver salvação.

Diria, a talhe de foice, sem medo de errar, que a estratégia das escolas é, em determinada medida, fazer dos seus alunos consumidores de agências de viagens. Ao impedirem as extensões jovens dos partidos de ali discutirem e disputarem política, encaminharam-nos para acríticas discussões sobre o melhor hotel, a melhor praia e a melhor cerveja de “Lloret del Mar”. É esse o programa político das Associações de Estudantes nas escolas onde “política não entra”.

Recentemente alguns professores da Escola Secundária de Vizela resolveram enfrentar o problema. E, depois de enfrentarem as dificuldades da palavra “política” no espaço escolar, conseguiram avançar. O mais importante é que conseguiram colocar os próprios alunos a estudarem-se e a diagnosticarem-se quanto ao seu (des)conhecimento cidadão. E, sem vergonha, a apresentarem o seu trabalho, em público, assumindo o quanto precisam de saber sobre o campo político. O que ali ficou demonstrado, com muitos pais a assistirem, é que a Escola pode fazer muito mais do que dizer “aqui a política não entra”. Além de ajudar a melhorar a “cultura” e a “participação”, ajudaria também a inquietar e a obrigar Governos a comportarem-se. E, de caminho, ensinaria aos populistas que estes não têm lugar onde há cultura política.

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