Escriba e comerciantes atacam Guimarães
Segundo Domingos Bragança, presidente da Câmara, “é preciso defender Guimarães”. Disse-o na última Assembleia para acusar deputados municipais que, exercendo legitimamente o seu papel de fiscalizadores, apontavam o dedo à gestão do concelho. A afirmação, feita sob pose guerreira possível, qual bravata, teve versão reafirmada: “Alguém tem de defender Guimarães”. Na verdade, queria dizer: “Alguém tem de me defender”. Bragança tentava lançar mão de algumas estatísticas analisando-as nas dimensões mais ajeitadas para responder a uma entrevista de António Magalhães, seu antecessor, ao Jornal O Conquistador – e replicada no digital do Jornal de Guimarães, que lamentava a perda de competitividade de Guimarães na relação com os concelhos de Braga, Famalicão e Barcelos. Bem entendido, ao arvorar-se em defensor dos “ataques a Guimarães”, Bragança defendia-se dos ataques à sua gestão. Na velha tática de ilusão política, dava-se ali a transformação do múltiplo em uno, com o presidente da Câmara a reduzir Guimarães a si próprio. A seu ver, o que vai adiante escrito não é um dedo acusador à sua gestão, mas um texto de um escriba a atacar Guimarães.
Aliás, seguindo a fórmula de Bragança, pode-se aqui escrever, sem dúvidas e com toda a certeza, que os comerciantes do mercado municipal estão a atacar Guimarães. Mas qual a razão, pergunta-se? Porque os comerciantes estão a usar uns sacos impróprios e legalmente desautorizados para acomodar produtos alimentares. Os sacos, produzidos a partir de “amido e óleos vegetais”, certificados como “compostáveis” e “reutilizáveis para o lixo”, são tolerados para transportar produtos envolvidos numa primeira embalagem, mas jamais pode haver contacto entre o seu material “biodegradável” e alimentos. Pura e simplesmente, frutas, legumes, carne e peixe não podem contactar com tais sacos. Quem entrega, gratuitamente, tais sacos aos comerciantes, “para melhorar o ambiente” é a… própria Câmara Municipal, gestora do mercado municipal. Os comerciantes esfregam as mãos porque deixam de pagar a taxa imposta à utilização do tipo de sacos legalmente autorizados. Esquece-se assim que a segurança alimentar é mãe de todos os cuidados.
Apesar de tudo, o paradoxal é que a Câmara foi avisada de tal problema. Vereadora do pelouro inclusive. Em janeiro, este escriba assistiu à incredulidade de uma pessoa quando se deparou com tal cenário. Feito um rápido inquérito ficou a saber-se que tais sacos foram introduzidos no mercado pelos serviços da própria Câmara. “É para melhorar o ambiente”, dizia-se. Mas o problema é alimentar e não de ambiente. Mal chegou à sua casa, a pessoa decidiu contactar os serviços da Câmara informando do problema. Um mês depois recebeu resposta, inclusive acoplada do parecer jurídico, a dar razão à sua chamada de atenção. Que sim, a lei era clara, tais sacos são manifestamente ilegais. Impróprios para contacto alimentar. O que enternece é o texto da resposta. Se por um lado os serviços da Câmara confirmavam o óbvio da ilegalidade, imediatamente sacudiam a água do capote atribuindo a responsabilidade pelo problema de saúde pública aos “comerciantes”. “Eles é que são os responsáveis porque os usam”, afirma-se num inenarrável desplante.
Não contente, a apontadora do problema retorquiu, lembrando que a Câmara Municipal não podia ter aquela posição uma vez que no mercado operam pessoas humildes e simples, algumas com idades avançadas. Mas, “honi soit qui mal y pense”, a resposta ao problema é um libelo de casa sem rei nem roque. Uma funcionária escreve, sem vergonha ou pudor, obediente e completamente destituída de capacidade crítica, que a senhora responsável, Engª. Dalila Sepúlveda, mandara dizer que dava o assunto por arrumado. Portanto, em Guimarães, um detetado problema de saúde pública é sumariamente declarado extinto, não por ato de eliminação – e devido pedido de desculpas -, mas por determinação administrativa. Não por ação corretiva de uma errónea decisão, mas pela força, sabe-se lá vinda de onde, de uma determinação exógena e contraditória, em que dipositivos técnico-legais são vistos ao nível da sanita.
O que é certo é que quase cinco meses após esta troca de mensagens alguns comerciantes continuam a usar tais embalagens, alguns afirmando-se seguros, porque foi a “Câmara que o mandou fazer”. Se por um lado demonstra a prevalência do sentido conformista e obediente da terra, por outro mostra um completo desprezo do poder pelos destinos da mesma terra. Como está bom de ver, Domingos Bragança tem aqui uma ótima oportunidade para defender Guimarães: bastará que dê ordens aos serviços da Câmara que “superiormente” dirige para que esta deixe de atacar Guimarães de forma tão vil.