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As ricas taxas moderadoras das urgências

Esser Jorge Silva
Opinião \ sábado, outubro 28, 2023
© Direitos reservados
O Estado está a dizer que devo trabalhar menos para absorver mais os seus recursos. (...) Isto não é socialismo, isto é imbecilismo! Isto não é esquerda. Isto é um convite ao modo sanguessuga de vida.

Este escriba acaba de ser surpreendido com uma conta por pagar no Hospital Senhora da Oliveira. Uma taxa moderadora, dizem-me. Escutada a mensagem preparei-me para pagar uns 5 euros ou coisa parecida. Uma qualquer insignificância. Mas não! A ditosa taxa é de nada mais nada menos do que uma espécie de multa. Ela resulta da circunstância de, no dia 12 de dezembro de 2022, este escrevedor ter sido obrigado a procurar socorro na urgência do Hospital de Guimarães. Escreve-se bem, procurar socorro! Porque a maleita que ali levou este pobretana de escrita só pode ser tratada com vigilância médica numa organização total de saúde. Por isso ali foi parar a correr e sem fôlego. Aliás, a maleita imediatamente reconhecida nem foi triada. Além disso só se pode agradecer à medica e enfermeira que, além de tratarem, imediatamente, do escrevedor, o vigiaram durante três horas. Tudo ficou bem mas, agora, ali perante a funcionária, este humilde professor tem de pagar a moda quantia de €37,35, está bom de ver, por causa do abuso de ter necessitado de um ato médico em estado de manifesta urgência.

Refeita a surpresa foi necessário saber mais sobre o assunto. O acesso ao Decreto-Lei n.o 37/2022 afirma, logo no início, que “o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pauta a sua atuação pelo princípio da tendencial gratuitidade dos cuidados prestados, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, enquanto dimensão central das políticas de proteção de saúde a promover pelo Estado”. Não li mais. O que o decreto quer dizer é que tem mais direito ao SNS quem menos contribuir para ele. E o meu mal é esse. Uma vez que a minha família contribui com 35 % dos rendimentos para impostos, o Estado olha mais para aquilo com que fico e menos para aquilo que lhe dou. É uma contradição. O que o Estado está a dizer é que devo trabalhar menos para absorver mais os seus recursos. E trabalhando eu mais, se furta à obrigação de me socorrer porque só existe para quem não produz recursos.  Isto não é socialismo, isto é imbecilismo! Isto não é esquerda. Isto é um convite ao modo sanguessuga de vida.

Sabe-se o que é entregar 35% do rendimento anual ao Estado, acrescido de mais 11% para a Segurança Social? Quer dizer que os ganhos dos primeiros cinco meses e meio, de janeiro a quinze de junho, são propriedade do Estado. Só a partir daí o cidadão tem direito a receber o produto do seu trabalho. Na verdade esta carga de impostos pode até ser justa. Países como Dinamarca, Suécia e Noruega recolhem altas contribuições dos seus cidadãos e, em contrapartida, investem no bem comum, inclusive considerando bem comum o financiamento de quem está desempregado. Saúde, educação, segurança e justiça, a par com segurança social, são a contrapartida do Estado aos cidadãos. É obvio que qualquer mente social-democrata compreenderá a justeza desta relação. A receita tem de ser simples: se o Estado recolhe, o Estado deve acolher e acarinhar de quem recolhe abundantemente.

Não se leia daqui alguma ideia de abandono dos que ficam nas margens. Nada disso. Este escrevedor é acérrimo defensor do Sistema Nacional de Saúde. Mas está longe de ser um cego com pala ideológica. Um Estado que trata tão mal os seus ativos não pode esperar continuar a ter tanta atividade para o sustentar as suas obrigações. Pelos vistos, o erro foi ter entrado pelo próprio pé na urgência. Se, por outro lado, tivesse chamado o Instituto Nacional de Emergência Médica e ali entrasse na sua ambulância amarela, já não pagava nenhuma taxa moderadora. Parece continuar contraditório: se este escriba tornasse o ato da procura da urgência mais oneroso, sair-lhe-ia mais barato. O senhor Estado aceitaria assim que não se tratava de uma “falsa urgência”, expressão ideológica capitalista muito bem introduzida na gestão hospitalar. O que está a acontecer é um incentivo de vivência nas margens. É boa a oferta para ser ocioso. Por isso há uma grande procura no vestir do papel de necessitado.  

Na administração pública há hoje gestores a todo o momento apresentados como absolutamente superlativos. Têm muitas ideias, são imaginativos, inovadores, empreendedores, fazem coisas extraordinárias, estão cobertos de brilho, são magos, celebram-se a todo o momento pelos seus desígnios. Mas não se apercebem que a sua noção de risco decisório é, objetivamente, nula. Não há nenhum arriscar na decisão de um gestor público. Parte-se sempre de uma receita realizada sem esforço, sem preocupação de como a obter. Perece-se assim a ideia subjacente: como está cada vez mais caro salvar financeiramente os serviços de urgência, deixa-se morrer os que a financiam, tratando “urgentemente” aqueles que lhe conhecem as falhas. A minha conclusão é simples: da próxima vez que me doer a cabeça chamo o INEM. Assim não há taxas moderadoras. Populista? Ora essa! Olhe para a sua carteira!

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