O fabuloso destino de dois jardins-museu
Ao longo da vida, mudei 15 vezes de casa, a ponto de deixar de pendurar cortinas e dos amigos sugerirem a compra de uma autocaravana, em tom de provocação. Numa dessas muitas migrações aterrei, de armas e bagagens, no Brasil.
A experiência, que se revelaria mais curta do que previsto, permitiu-me conhecer melhor o gigante sul-americano, explorar a sua literatura e apaixonar-me por Minas Gerais, as suas paisagens, gentes e comida. O meu lugar preferido no país fica precisamente naquele Estado e chama-se Inhotim.
Inhotim é um jardim botânico, hífen, museu, com um enquadramento deslumbrante, entre os ricos biomas da Mata Atlântica e do Cerrado. Um dos maiores museus a céu aberto do mundo, sobre o qual escrevi rasgados elogios, e com um dos acervos de arte contemporânea mais importantes do Brasil.
Dos carochas de Jarbas Lopes, ao Narcissus garden da renomada Yayoi Kusama, da instalação Som da Terra do americano Doug Aitken, aos lindos azulejos da galeria Adriana Varejão, há mais de 5 mil obras, diversas e surpreendentes, de artistas brasileiros e internacionais para conhecer. Sem esquecer o património botânico, como uma flor-cadáver de três metros que abre apenas durante 48 horas/ano.
Alguns anos após a minha aventura transatlântica, levei um banho de água fria, quando a instituição suscitou suspeitas de desvio de dinheiro e o fundador foi condenado (posteriormente absolvido) por lavagem de dinheiro.
Ainda a recuperar da quebra de reputação, o instituto Inhotim sofreria uma grave queda de visitas/receitas em 2019, aquando do rompimento da barragem próxima, que provocou 270 mortes e milhões de metros cúbicos de resíduos extrativos despejados na natureza.
Por cá, senti uma espécie de déjà vu quando vieram a público notícias acerca de Fundação José Berardo e dos prejuízos que teria provocado à banca. Também estivera no Jardim Tropical Monte Palace, Madeira, a “primeira paixão” de arte assumida pelo colecionador e sede da sua Fundação, que a prestigiada Condé Nast Traveller considerou um dos mais belos jardins botânicos do mundo (2013).
Aparentemente, à tempestade segue-se sempre a bonança. Inhotim ultrapassou desastres naturais, processos judiciais e a pandemia. Com cerca de cinco mil visitantes diários, no verão passado anunciou um projeto de ampliação do parque e a construção de um resort de luxo.
Já o processo contra Berardo arrasta-se, mas o empresário abriu mais um espaço museológico em Azeitão e o jardim-museu do Funchal, que chegou a ser arrestado, continua popular entre os turistas, com os seu jardins de inspiração oriental, as oliveiras milenares do Alqueva, o pavilhão de esculturas do Zimbabué e uma das mais importantes coleções de azulejos de Portugal.
Inhotim e Monte Palace. Duas jornadas peculiares, geograficamente longínquas, que provam a resiliência da natureza e da arte. Quem ainda não conhece, não deixe de ir. Eles deviam estar na lista de “Mil lugares para conhecer antes de morrer”.
Ruthia Portelinha, viajante e autora do blog O Berço do Mundo!