Dos cossoiros ou fusaiolas
“Cossoiro é o termo português correspondente à fusaiole dos archeólogos franceses (termo de origem italiana) e ao verticillus dos Romanos. Dizer fusaiola em português parece-me grande barbarismo. ─ A palavra cossoiro, do latim cursorius, usa-se no Alemtejo e creio que também no Algarve.”
José Leite de Vasconcelos, Analecta archaeologica. Archeólogo Português, vol VIII, 1903, p. 168.
Apesar da insurgência de Leite de Vasconcelos, contra o alegado “barbarismo” da expressão “fusaiola”, o termo acabou por se manter, sendo hoje indistintamente utilizado pelos investigadores. A verdade é que, pese embora a consonância muito portuguesa da palavra “cossoiro”, o termo “fusaiola” permite uma associação mais direta à função destas peças, que eram encaixadas, precisamente, num fuso, permitindo assim a fiação manual de matérias como a lã e o linho. Os fusos seriam feitos maioritariamente em madeira, o que explica a sua ausência no espólio arqueológico, que se resume, no que à prática têxtil diz respeito, aos cossoiros, aos pesos de tear e a uma ou outra agulha em bronze ou em osso.
Cossoiros da Citânia de Briteiros (fotografia Miguel Oliveira)
Temos, pois, que a fiação ─ uma de várias fases de obtenção das matérias têxteis ─ era a verdadeira função destes pequenos discos de barro, feitos à mão, ou com molde, muitas vezes decorados. Estas peças eram encaixadas num fuso, facilitando o movimento rotativo do mesmo, que lhe era imprimido pela fiandeira (ou fiandeiro, porque se era trabalho mais feminino ou masculino, não se sabe), transformando cada mexa de fibras em fio. O que parece é que devia ser trabalho feito em casa, posto que estas pecinhas aparecem muitas vezes em contexto doméstico.
Os cossoiros ou fusaiolas são de várias épocas, e existiriam também em madeira. Os muitos exemplares guardados no Museu Martins Sarmento, são da Idade do Ferro e do período Romano (nem sempre é possível diferenciá-los). A maioria provém da Citânia de Briteiros e foram estudados na década de 1990 por Maria de Fátima Silva e Paula Oliveira, que publicaram os seus dados na Revista de Guimarães, cuja leitura sempre recomendamos.
Um cossoiro recolhido por Sarmento no Castro de Sabroso, em setembro de 1877 (3,9cm de diâmetro. Fotografia Patrícia Aguiar)
É curioso como um território que, a partir do último quartel do século XIX, veio a ser um centro da indústria têxtil portuguesa, foi também um importante centro produtor na Antiguidade, porque registar mais de duzentos cossoiros num mesmo sítio arqueológico ─ a Citânia de Briteiros ─ não deixa de ser notável, por muito que a gente que o habitava fosse também muita.