Falar verdade
Repete-se e volta-se a repetir, numa sensação de “déjà vu” e de cansaço (que teima em não desaparecer) que a circunstância actual está difícil, instável e tão desafiadora quanto perigosa. Neste naco de território nacional, acresce o momento electivo contínuo de legislativas, autárquicas e presidenciais, que leva o autor destas palavras a revisitar pensamento que há muito o acompanha: a necessidade de ser consequente na acção pública.
Por convicção e constatação, verifica-se que importa, cada vez mais, compaginar a concretização de uma ideia, um projecto, uma obra com os seus objectivos maiores e requisitos complementares, possibilitando, assim, que os mesmos possam produzir os resultados desejados e expectáveis.
Reforçando-se tal realidade, e a sua relevância neste tempo difícil e desafiante que atravessamos, reconhece-se que importa colar a esta consequência a palavra verdade e à expressão ser consequente uma outra expressão: falar verdade.
Nunca como hoje, tanto se publicita e comunica. Nunca como hoje, todos estamos sedentos de notícias, consumimos “artigos de opinião” e comentários televisivos, produzimos as nossas próprias opiniões e comentários de forma pública e partilhada.
Comunicar é inato à essência da “pessoa”. Não há relação possível entre dois seres caso não exista comunicação, por muito diversa e diferenciada que seja. Na actualidade, comunicar é inato não só às pessoas como à própria vida comunitária, existindo uma parte que acresce, que se sobrepõe a todas as outras e que traduz a nossa actual condição: a necessidade de comunicar para transmitir e informar, dar visibilidade e marcar presença, chegar primeiro e fazer-se notar.
Como tal, importa valorizar e relevar este acto de comunicar, medindo o seu impacto na vida do “outro” e na vida comum de todos nós, ora em função do critério da assertividade e utilidade da comunicação na perspectiva do seu autor, ora ao nível dos resultados e percepções gerados naqueles que são o alvo da comunicação.
Tal significa que comunicar não é só acto livre como acto responsável, oportunidade e dever, construção ou perturbação. Ou seja, comunicar é acto que gera algo como consequência e que resulta em sequência de alguma coisa. Não é inócuo ou incoerente. Antes intencional e transformador.
Ao ser assim, torna-se natural emprestar a este acto de comunicar a obrigatoriedade de falar verdade.
Admitindo-se que seja expressão recorrente ou tão inerente e óbvia que, porventura, desnecessária afirmar (afinal falar verdade é condição base da ética e comportamento humano), falar verdade é acção tão instrumental quanto estrutural neste acto de comunicar, que repetir o que é óbvio apenas (e só) serve para reforçar o seu grau de importância. E, assim, chamar a atenção para a sua prática contínua e imutável, independentemente de quem e para quê, de onde e de quando.
A comunicação no espaço público— no espaço de todos nós — é fundamental para todos aqueles que compõem a comunidade saberem e perceberem o que importa a todos, nomeadamente aquilo que acresce à soma de todos os seres. Por isso, à comunicação no espaço público exige-se que seja capaz de permitir saber e perceber: saber o que se passa e como se passa; perceber o porquê e o para quê.
Na leitura feita à circunstância actual, tal passa por três acções: simplificar, descomplicar e corresponder.
Neste momento (continuadamente) electivo, onde é tão (mais) importante saber comunicar, falar verdade para, depois, poder ser coerente e consequente, onde é tão mais importante tudo salvaguardar para possibilitar que todos possam melhor escolher e optar, entender e valorizar estes três verbos (simplificar, descomplicar e corresponder) apresenta-se incontornável e fundamental. Esperando que assim se concretize, e porque este texto já se afigura longo, o próximo texto tratará de melhor sintetizar a essência dos mesmos verbos, em sinal de esperança de que tudo possa ser melhor do que tem sido. Afinal, há sempre um amanhã…