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O tempo que se arrasta...

Filipe Fontes
Opinião \ terça-feira, novembro 29, 2022
© Direitos reservados
Amputar este processo urbano do tempo certo é condenar o mesmo processo a dificuldades desnecessárias, probabilidades de insucesso não desejadas e desvirtuar o seu propósito, enviesando a qualificação

Inerente ao acto de tergiversar, adiar, retardar, repetir, num processo cíclico de questionamento e de fuga da decisão que tão bem caracteriza Portugal e o seu modo de gestão e concretização dos denominados “grandes projectos estruturantes”, encontramos o tempo, esse facto tão fisicamente invisível quanto determinante, essa distância entre dois momentos tão condicionadora e potenciadora, tão ambivalente e dependente da gestão e tratamento que a ele somos capazes de conferir.

Tempo que adquire várias tonalidades e componentes, perspectiva e condição, não sendo inócuo ou indiferente se tratamos do tempo material de concretização física ou do tempo prévio de reflexão e decisão, do tempo necessário de revisão ou do tempo indispensável de maturação e consolidação, de usufruto e de avaliação. E tempo que, nestas várias matizes, adquire peso e importância específica, valor e possibilidades que devem ser atendidos e incorporados no processo para benefícios do mesmo, nunca para o seu prejuízo!

E se o tempo de reflexão e decisão se quer lento mas atempado, alargado mas justo no             momento – e não tergiversado e adiado como se escreveu no último texto – o tempo de concretização física não pode ser longo e arrastado, como se a solução material e física encontrada fosse perene e imutável, quase como se a realidade envolvente se congelasse, aguardando e imobilizando-se até à construção da dita solução.

Na verdade, complementarmente à dificuldade em decidir, assiste-se a um “arrastar temporal” de concretização de tantos projectos ditos estruturantes que, entretanto, vão ficando “desactualizados” porque a sua envolvente vai-se modificando, por vezes de tal forma que, no momento de concretização, ambas – a solução e a envolvente – já não são parte da mesma equação, tão desfasadas que estão.

Na verdade, este tempo demorado de concretização física não se compadece com a dinâmica do território e o seu contínuo e cíclico processo de mudança e transformação… quantas vezes já ouvimos falar de circulares externas a urbes que, na sua concretização, já se encontram completamente absorvidas pelo crescimento urbano das mesmas?

Este tempo de decisão e reflexão, depois projecto e construção, é completado pelo tempo de consolidação e usufruto, identificando-se, aqui, uma oposição, o inverso à atitude registada nos dois anteriores modos temporais, já que a demora e o adiamento, a errância e a lentidão dão lugar a um imediatismo (que, não raras as vezes, se torna mediatismo ruidoso e exacerbado) de reacção e crítica ao resultado da solução, não existindo lugar à espera do usufruto, à apropriação da solução pelos seus destinatários, pela percepção e moldagem de usos para os outros e  vice-versa, na constatação de que a solução tem necessariamente de produzir resultados imediatos e impolutos, sem erros nem falhas.

Todavia, estes projectos estruturantes – como tudo o que diz respeito à cidade – carece de tempo lento de apropriação e consolidação, de adaptação e aceitação, sendo necessário “dar tempo ao tempo” e deixar que a solução se vá sedimentando no território, sempre num processo que não dispensa a correcção e ajustamento, se necessário e pertinente, mas que não pode ser posto em causa por força de um imediatismo que não dá oportunidade de tudo se mostrar e potenciar.

E este tempo de apropriação e sedimentação urbana é fundamental para o sucesso da política urbana e seus projectos estruturantes. Dir-se-á mesmo que é inato. E, como tal, amputar este processo urbano do tempo certo é condenar o mesmo processo a dificuldades desnecessárias, probabilidades de insucesso não desejadas e, na verdade, desvirtuar o seu propósito, enviesando a sua avaliação e qualificação.

Porventura, constata-se extremados estes tempos – lento na decisão, rápido na apreciação final – porventura consciencializado por todos a respectiva importância e ainda maior impacto. Seguramente, tempos fundamentais para o processo  e que reclamam “tempos próprios e justos”. Sem estes “tempos próprios e justos” tudo será diferente. E ficará aquém do que poderia ser. Do que desejavelmente deveria ser: o tempo como parte integrante do território!

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