Guimarães será futuro
Lá teremos de ser nós outra vez…mais do que resiliência impõe-se percecionar que é tempo de reconstruir sem hesitar, sabendo que sacrifícios pessoais e comunitários vão ser exigidos: simples palavras e reuniões no limite da cortesia é chão que jamais dará uvas.
As “Terras de Vimaranes”, partindo do seu génio histórico e afonsino, não podem deixar de dizer presente às batalhas que se advinham no horizonte. Os sinais da contemporaneidade documentam um regime político em crise profunda, onde falta o essencial e elementar: decência, verdade, ética de serviço público e JUSTIÇA (em sentido transversal e multissetorial). Sim, o mínimo ético das instituições públicas emigrou para as calendas gregas. Concretizando: em vez de nos deixarmos adormecer com as glórias pretéritas, devemos recorrer, antes, ao nosso passado para ganhar as forças necessárias para fazer cessar a banalização da indiferença perante o desmoronar progressivo de uma ideia de país e de pátria.
Nesse contexto, tem de partir de Guimarães um sobressalto cívico que terá como método e critério uma lógica de “educação pelo exemplo”. A democracia não é, não pode ser, uma simples realidade estática e formal: para ser real, carece de substância. Para deixar de ser uma palavra morta (significante amputado do significado), impõe-se a sua ressurreição, convertendo-se em ação concreta. Todas as grandes caminhadas se iniciam com um simples mas primeiro e definidor passo. E tudo começa e acaba na entorse base: o ato primeiro passa, precisamente, por desconstruir um centralismo colossal e castrador, que reduz, em boa verdade, o país a uma Corte de senhores feudais: um Terreiro do Paço que ensimesmado olha à sua volta e só vê províncias. Ironia das ironias: uma Corte que pensa e atua assim mais não é do que um exemplo lapidar de provincianismo em carne viva.
Guimarães, nunca percebendo porque não foi capital de distrito, diga-se, tem de (re)ganhar voz pública e fazer-se ouvir (literalmente) no país, exigindo que o Poder Central, sem demoras e reservas mentais, descentralize e desconcentre com conta, peso e medida. Chega do faz de conta de se atribuírem 2 alegadas e putativas responsabilidades políticas, quando, em boa verdade, só estão, com alquimia, a transformar despesa do orçamento de estado em despesa do orçamento municipal.
No fundo, os impostos nacionais deixarão de suportar parte da despesa a que se destinavam; ocorrendo com os impostos municipais o inverso, isto é, passam a pagar despesas alheias, isto é, nacionais. Atalhando: é urgente perceber que Guimarães não pode continuar a tolerar, à laia de exígua amostra:
a) que a centralidade, autonomia e autoridade do Hospital Senhora da Oliveira estejam sobre ataque constante: para além do humilhante processo da abertura do Centro de Hemodinâmica, constata-se que está em curso um processo decisório que coloca a hipótese de serem retiradas valências;
b) que o Alfa Pendular até Lisboa, suspenso desde março de 2020 e que a CP e o Ministro das Infraestruturas garantem que vai ser reposto, continue ausente em parte incerta;
c) que o Tribunal da Relação de Guimarães continue a não assumir o seu papel por inteiro, a nível da Procuradoria (deixando de haver qualquer dependência com o Tribunal da Relação do Porto) e do Estatuto dos Magistrados Judiciais (acesso ao Conselho Superior da Magistratura e Associação Sindical dos Juízes Portugueses);
d) que a construção do Campus da Justiça vá de promessa em promessa e agora até se coloque a hipótese de retirar as instâncias centrais de Guimarães, o que seria criminoso;
e) que a decisão política positiva por parte do Governo de inclusão no Plano Ferroviário Nacional da ligação de Guimarães à futura estação do eixo ferroviário de alta velocidade (TGV) não se tenha consumado até ao dia de hoje;
f) que está a perder-se a oportunidade única de utilizar o PRR para fazer justiça a Guimarães (sobretudo nas respostas urgentíssimas na área da saúde e da habitação, onde as carências são reais e em grande escala), pois, todos os governos, uns mais, outros menos, é certo, falharam a Guimarães e às suas perenes necessidades;
g) que os equipamentos culturais construídos aquando da Capital Europeia da Cultura não recebam financiamento do orçamento de estado, ao contrário do que sucede com o Lisboa e Porto;
h) que, por sua vez, as receitas das visitas ao Castelo de Guimarães, Paço dos Duques e do Museu Alberto Sampaio sejam receitas exclusivas da Direção Regional da Cultura do Norte;
i) que o imperativo restauro da Igreja do 3 Mosteiro de Santa Marinha da Costa contínua em lista de espera;
j) que a resolução imediata dos problemas estruturais dos bairros sociais do IRHU continuem a aguardar.
Perceba-se: se Guimarães cumprir o seu destino, saindo do seu conforto e exigindo (sendo consequente) o que é seu por direito, estou certo que o seu exemplo gerará uma energia vital e transformadora, potenciando, em simultâneo e ato contínuo, uma refundação que cumpra abril. Simbolizando abril uma ideia de país inteiro, pleno e justo, no fundo, digno da sua fundação.