O monumento às Ninfas de São João de Ponte
Talvez sejam hoje mais conhecidas do público geral a partir dos versos de Camões, no entanto, tempos houve em que as Ninfas eram mais do que uma figura literária. Eram consideradas como entidades divinas às quais se prestava culto regularmente, porque tidas como entidades benfazejas, forças motrizes da natureza. Integravam o panteão romano, não sendo propriamente deusas, mas mais uma espécie de espíritos, sempre do género feminino, que habitavam as fontes, as águas calmas, os rios, mas também as montanhas e os bosques.
Dizem-nos Mário Cardozo e Santos Júnior, num artigo de 1953, que as Ninfas "povoavam também o cenário edénico dos lagos profundos e tranquilos, dos prados tapetados de esmeralda, dos cimos nimbados de luz, das grutas misteriosas, dos bosques sagrados por onde serpenteavam límpidos regatos murmurantes."* Por aqui vemos como, mesmo muitos séculos depois de as Ninfas terem perdido o seu estatuto de divindade, digamos assim, parecem continuar a inspirar um discurso enfático, harmonioso, "imersivo", diríamos hoje, em quem nelas fala. Também nos dizem os mesmos autores, regressados a um discurso mais descritivo "Era-lhes dedicado, por certo, um fervoroso culto pelos devotos que aos seus pequenos templos (nymphéa) grutas naturais, fontes e nascentes de águas termais iam depor as oferendas votivas, e queimar essências aromáticas nas humildes aras de granito, cujas legendas diluídas, quase apagadas, ainda hoje nos facultam um sugestivo testemunho desses tempos remotos em que as águas tinham carácter sagrado."*
Precisamente, um desses altares graníticos, tão característicos da época romana, foi dedicado às Ninfas por um tal de Gaio Sulpício Festo, a poucos metros da margem do rio Ave, provavelmente há mais de 1700 anos. No local ergue-se hoje a igreja de São João de Ponte, em cujas imediações foram identificados, em diferentes anos, vários vestígios do período romano.
Ara romana de São João de Ponte (Foto de Eduardo Brito)
A peça aqui em questão é um altar granítico de 70cm de altura, aparecido, em 1949, com a demolição de uma casa rústica nas proximidades da igreja, sendo recolhido no Museu Martins Sarmento por iniciativa do também explorador de velharias Dr. Ricardo de Freitas Ribeiro e boa vontade do Abade da Paróquia de Ponte. Mantém-se desde então no Museu, onde esforçados visitantes procuram identificar as delidas letras através das quais Sulpício Festo procurou imortalizar a sua devoção aos espíritos aquáticos do Ave.
* Mário Cardozo e J. Santos Júnior "Ex-Votos às Ninfas em Portugal". Revista Zephyrvs, 1953 (pp. 55 e 57).