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Os problemas das pessoas não são bonecos

Rui Antunes
Opinião \ segunda-feira, abril 08, 2024
© Direitos reservados
O PSD quis fazer de uma imagem que aparece no fim dos emails, ou no cantinho das receitas médicas, uma guerra cultural francamente inexistente.

O país enfrenta problemas sociais e económicos graves e que colocam em causa a qualidade de vida de muitos setores, em particular na saúde, justiça e educação. Aquando da eleição do Presidente da Assembleia da República foram muitos aqueles que apelaram à urgência do parlamento começar a trabalhar para resolver estes problemas. Apesar disto, parece que, afinal, o excedente orçamental é uma coisa má e a primeira decisão deste novo Governo do PSD/CDS é, pasme-se, a alteração do logótipo.

Se por um lado é natural que um novo executivo queira alterar a imagem deste órgão de soberania, não parece adequado ter sido a sua primeira decisão e, muito menos, assentar a justificação em mentiras. A imagem usada, desde junho de 2023, só deu burburinho meses depois, após a queda do executivo de António Costa. Foi colocada em causa por setores mais conservadores da direita, e o PSD foi atrás.

A oposição a esta nova imagem foi colocada por Luís Montenegro como sendo uma alteração aos símbolos nacionais. Durão Barroso vai mais longe e diz ainda que quem não se identificava com o logo anterior “não são verdadeiros portugueses”. Isto não poderia ser mais falso. Os símbolos nacionais são definidos na Constituição da República Portuguesa e em nenhum momento alguém teve a sequer a intenção de os alterar. Nunca foi assunto em debate, em lado nenhum.

O que aqui esteve em causa foi um projeto de criação de identidade gráfica do governo, incluindo o logótipo e as fontes de texto, com o objetivo de normalizar a comunicação institucional. Inclusivamente, foi a primeira vez que foi criado um manual, para dar instruções a todos os órgãos administrativos do Governo e da Administração Pública sobre a padronização de documentos e imagens em papel e digital.

No entanto, este PSD quis fazer de uma imagem que aparece no fim dos e-mails, ou no cantinho das receitas médicas, uma guerra cultural francamente inexistente. Esta tentativa de dividir a sociedade é bacoca e artificial e só tem um objetivo: acarinhar o eleitorado da extrema-direita. Quando a direita tradicional radicaliza o discurso e apresenta as propostas da extrema-direita, valida-as. A normalização destes assuntos que tentam dividir e polarizar a sociedade portuguesa só fazem a extrema-direita crescer.

Por isso, o discurso de tomada de posse do primeiro-ministro parece esclarecer ao que vem esta direita. Decalcando discursos de Cavaco Silva, usando expressões como “deixem-nos trabalhar” ou “oposição de bloqueio”, Luís Montenegro afirmou perentoriamente que o programa do governo será o programa da Aliança Democrática. Ou seja, por um lado, o PSD quer governar como se tivesse maioria absoluta, cumprindo um programa que recolheu apenas 29% de apoio eleitoral e garantiu 80 deputados. Por outro, quer que o PS aprove as propostas que visam reverter decisões do PS. Um absurdo.

O objetivo desta imaturidade parece evidente: destruir as hipóteses de crescimento do PS e garantir crescimento do CH. O PSD quer oposição, mas que ela seja de direita, porque sente que o combate é mais fácil. Se isto se concretizar, poderá terá impactos duradouros e irreversíveis no sistema partidário e democrático.

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