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Porque é que temos leis que são uma "chatice"?...

Gonçalo Cruz
Opinião \ terça-feira, abril 27, 2021
© Direitos reservados
Que não haja ilusões. A deteção de objetos e o seu arranque do subsolo, sem qualquer registo, é o maior fator de desvalorização das próprias peças.

Tenho notado, por diversas vezes, alguma estupefação por parte das pessoas quando digo que a utilização de detetores de metal para pesquisa em sítios arqueológicos está restrita a várias condicionantes e que a sua utilização é ilegal por parte de alguém que não seja tecnicamente qualificado. De facto, aparentemente, utilizar um aparelho inofensivo, fácil de adquirir, não nos sugere qualquer prática ilegal. No entanto, a Lei nº 191/99 de 20 de Agosto proíbe "a utilização de detetores de metais na pesquisa de objetos e artefactos relevantes para a história, para a arte, para a numismática ou para a arqueologia". Mas, porquê?...

Independentemente de se usarem quaisquer aparelhos de deteção, fazer escavações em sítios arqueológicos é, já por si, restrito à autorização da tutela do Ministério da Cultura, garantindo-se assim que qualquer trabalho de pesquisa é feito por equipas devidamente qualificadas. Por alguma razão estas equipas e técnicos existem. São pessoas que investiram trabalho, tempo e dinheiro na sua formação académica, que os habilitou a pôr em prática uma ação intrusiva (porque é) e irreversível, salvaguardando, porém, toda a informação que é possível recolher. Ora, esta garantia não pode ser dada por quem não tem formação para isso. Só o interesse e o entusiasmo de determinada pessoa não são suficientes para garantir a referida salvaguarda. O entusiasmo, aliás, é inimigo da perfeição, nesta como noutras áreas. 
Embora a ideia acima referida tenha vindo a ser interiorizada pela sociedade, face às situações em que intervenções no terreno obrigam à salvaguarda de vestígios históricos, a disponibilização de detetores de metal, incentivada por programas televisivos mais ou menos fantasiosos, com promessas ocas de enriquecimento com o achamento de peças valiosas, fez esquecer a várias pessoas o facto de ser ilegal abrir buracos em monumentos. Foi isso que obrigou à promulgação da Lei que referimos no início.
É irrelevante que um "detetorista amador", como candidamente estes senhores se apresentam no mundo virtual, as mais das vezes de forma anónima, tenha um conhecimento profundo das peças que encontra, como moedas ou restos de armas. Que não haja ilusões. A deteção de objetos e o seu arranque do subsolo, sem qualquer registo, é o maior fator de desvalorização das próprias peças. Uma vez recolhido o artefacto pelo amador, perde-se o fio condutor que está na base do seu estudo: não se registou a camada onde se encontrava, nem as camadas que estariam por cima ou por baixo, e que iriam auxiliar a sua datação; não se relacionaram estas camadas com qualquer estrutura no terreno, o que pode ser fundamental para datar e interpretar esta estrutura; não se regista o sítio arqueológico de onde proveio (os detetoristas raramente revelam o sítio por onde andaram). Perde a peça, porque fica sem contexto, perde o monumento porque fica sem um elemento que podia ser importante para o conhecimento do local.
Vala de saque aberta junto a uma estrutura arqueológica no Castro de Sabroso, Guimarães. SMS

Vala de saque aberta junto a uma estrutura arqueológica no Castro de Sabroso, Guimarães. SMS

Vem este texto a propósito de uma situação que identificámos em Setembro no Castro de Sabroso, descrita detalhadamente por uma  nota publicada pela Sociedade Martins Sarmento. Termino com duas recomendações. Para quem quer aprender mais sobre História e Arqueologia, recomendo estudar, frequentar cursos, superiores, técnico-profissionais, ações de formação, voluntariar-se para participar em trabalhos arqueológicos. Há um vasto leque de possibilidades. Para quem quer enriquecer, recomendo que o procurem fazer cumprindo a Lei. 

Não destruam o que é património comum e denunciem situações como esta.

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