Pré-reforma das arábias
No imaginário sensacional de que em qualquer profissão haveria uma possibilidade, no final de vida de uma carreira, de ir ganhar mais dinheiro para um determinado local longínquo do que valeu o auge da mesma na totalidade, é sobretudo hilariante. Mas arrisco-me a dizer que depois de se estranhar, rapidamente se entranharia.
No caso do futebol, após a admiração inicial por algumas escolhas que privilegiaram o dinheiro (que nunca é pouco no nível a que me refiro) acima da carreira que nem sequer na fase final ia, acabou por se revelar uma ótima moda para todos. Ajudou a limpar a casa de quem ocupava um lugar que não cumpria com a paixão exigida pelos que fervorosamente acompanham o jogo pelo mundo fora. Foi ótimo para esses – permitiu-lhes reforçar a confiança nos níveis de comprometimento e dedicação dos que ficaram nos seus clubes. Os que foram, seguiram o dinheiro que os movia, e por isso foi bom para eles também. Ótimo para os clubes vendedores – “venha a nós o vosso reino” passou a ouvir-se nos corredores de vários clubes por esta Europa fora. E fantástico para os compradores – despacham dinheiro que em princípio não lhes custou muito a ganhar (veio de matérias-primas oferecidas pela natureza ou de negócios que suplicam uma lavagem). Por isso, até ver, é um ganha-ganha-ganha-ganha. Ninguém perdeu ainda.
É bom conhecer as motivações de cada um para a arte que desenvolve. É justo para quem acompanha e ajuda a separar quem corre por gosto de quem apenas procura cumprir o próprio calendário de interesses. Não que não o possa fazer por si – em qualquer área há esse direito. Há até todo o direito de não se querer ser artista apesar de se ter o dom de uma arte. Há o direito de não querer despertar paixões na multidão. Há o direito de não se ser mais se não se quiser, pois cada um é o que quer ser para além de ser o que pode. Há o direito de se querer muito dinheiro. De se mover por isso, definir como prioridade. Há o direito de se poder rejeitar o que tantos apenas puderam sonhar, por dinheiro.
Por isso essa pré-reforma é tão boa para todos. Só faltava que fosse tratada como tal (pré-reforma), por todos. Adesconsideração pelos que decidem ficar quando o objetivo é convocar jogadores para seleções nacionais, é injusta. O que se pode retirar de alguém que decide ir no pico da carreira devia ser, por si só, independentemente da valia do jogador, tudo o que era preciso para se perceber que as motivações do indivíduo não são compatíveis com os valores exigidos, sem qualquer prejuízo do seu caráter pelas suas motivações.
Antes, no futebol, já havia este tipo de paraísos financeiros, mas os montantes praticados mais dificilmente conseguiam atrair jogadores no pico da carreira. Compreende-se a decisão de ir por parte dos mais velhos; os novos é que devem assumir o que os move quando vão, com tudo o que isso significa e as consequências que isso deveria implicar.