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Privacidade, esse conceito alienígena

André Teixeira
Opinião \ quarta-feira, agosto 25, 2021
© Direitos reservados
No mundo moderno, quem está ligado faz parte do produto daqueles que fornecem a ligação, e quem não está ligado é irrelevante.

A ideia de Privacidade enquanto direito surge nos EUA em finais do século XIX. Inicialmente considerada como o direito de o indivíduo estar livre de intrusões públicas não autorizadas, a privacidade foi parte do crescente conjunto de direitos formalizados por declarações universais e constituições nacionais, tendo a sua compreensão vindo a evoluir com o amadurecimento das nossas democracias.

O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada está consagrado no artigo 26.º da nossa Constituição. As novas tecnologias permitiram globalizar o acesso a informação e colocaram um computador no bolso de cada um, muitas vezes mais potente do que os usados para colocar o Homem na lua. Com este poder surgiram novos flagelos, para os quais ninguém estava preparado. Privacidade é hoje uma coisa do passado, uma comodidade a ser vendida ou comprada, um conceito alienígena para aqueles que nasceram no século XXI.

No mundo moderno, quem está ligado faz parte do produto daqueles que fornecem a ligação, e quem não está ligado é irrelevante. Isto apresenta um desafio muito menos óbvio do que seria de supor. A escolha clássica entre Segurança e Liberdade, assim como entre Conforto e Privacidade, foi já feita e assumida, e o vencedor não foi o cidadão comum.

A acumulação de dados é a nova corrida ao ouro, e a Internet o novo faroeste, sem regras ou limitações. Na rede infinita, informação é dinheiro. Com a normalização de equipamentos informáticos pessoais e o estabelecimento das redes sociais como os principais mecanismos de transmissão de informação para as massas, surgiram novos modelos de negócio: se não é fácil fazer o cliente pagar por um serviço que muitos oferecem de graça num mercado digital sobrelotado e de acesso fácil, que tal assegurar vinculação através de gratuitidade de utilização e fazer da própria atividade do cliente a fonte de receita? Ao aceitarmos os termos de utilização, somos nós próprios que cedemos privacidade em troca de um serviço tão difícil de largar como uma droga pesada.

Não são apenas as redes sociais a fazer uso da nossa atividade, mas grande parte dos produtos digitais a que nos habituamos e que hoje consideramos parte das nossas vidas. As nossas localizações são calculadas através dos pontos de wifi a que nos ligamos, as nossas chamadas e mensagens são analisadas e catalogadas. Todos temos uma etiqueta, uma identificação, um conjunto de gostos e contactos, um percurso e um sem número de perfis, utilizados para o que for mais útil e rentável, desde vender publicidade até treinar mecanismos de identificação de padrões de voto ou de reconhecimento facial. A guerra do futuro será também digital.

Surge assim a questão, quantos de nós estão dispostos a desligar-se para fazer valer a nossa privacidade? Será sequer possível o funcionamento da sociedade atual sem as nossas muletas tecnológicas? Tenho apenas uma certeza: há que tomar ação, antes que a habituação nos impeça de o fazer, e as novas gerações cresçam habituadas a serem hipotecadas. Instrumentos como o RGPD são essenciais, mas insuficientes. Precisamos de estabelecer metas e de forçar as grandes companhias a aceitar limites, impedindo que o ser humano se torne um mero gerador de dados comercializável. A tecnologia e a rede deverão ser ferramentas de emancipação e de democracia, não de escravidão. O direito à privacidade é tão fundamental como qualquer outro, protegendo o cidadão de corporações sem escrúpulos e Estados autoritários. Resta-nos fazer o possível para fazer o público erguer os olhos do seu dispositivo, antes que estejamos demasiado habituados a estar de cabeça baixa.

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