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Revisitar o antigo Egipto, em Guimarães

Gonçalo Cruz
Opinião \ sábado, junho 28, 2025
© Direitos reservados
Guimarães guarda uma dessas antigas preciosidades, um exemplar em vidro egípcio, no Museu Martins Sarmento.

Não existindo uma ideia definitiva acerca da origem específica do fabrico de objetos em vidro, tudo indica que esta andará entre o Mediterrâneo Oriental e a Mesopotâmia, sendo a antiga Fenícia – ideia tradicionalmente utilizada – um dos possíveis "candidatos". No entanto, esta ideia pode vir também do facto de terem sido os Fenícios, navegadores e comerciantes, o primeiro grande difusor deste produto e não necessariamente o seu primeiro fabricante. Seja como for, parece que grande parte do vidro adquirido antes de os Romanos o terem generalizado (como fizeram com tantos outros produtos) tinha origem no Egipto. Desde cedo terra muito populosa, rica e desigual, o Egipto consumia e produzia itens valiosos, entre os quais o vidro e os produtos que ele continha.

Contrariamente a materiais como a cerâmica, a madeira, as peles ou os metais, o vidro tem a particularidade, ainda hoje aproveitada, de não deixar cheiro ou sabor nos produtos, alimentares ou não. Não haveria portanto material mais indicado para acondicionar, vender e transportar cosméticos, como os que o Egipto também produzia e exportava. Acresce o aspeto colorido, mais ou menos opaco, muitas vezes com policromia, que as peças de vidro podiam mostrar, fazendo perfeitas imitações de preciosas gemas... Um material de luxo, portanto.

Guimarães guarda uma dessas antigas preciosidades, um exemplar em vidro egípcio, no Museu Martins Sarmento. É uma enócoa em miniatura, usada como balsamário, de forma ovoide, com boca trilobada e uma asinha, neste caso já desaparecida. Foi inicialmente estudada, nos anos 1950, por Mário Cardozo que, identificando um item importado, deixou em aberto a sua origem. Contudo, desde logo o comparou a um paralelo de facto idêntico, a pequena enócoa que se guarda no Museu Arqueológico de Ibiza e Formentera, recolhida numa antiga necrópole de Ibiza.

Na década de 1960, ao estudarem vários vidros  do Museu vimaranense, Adília e Jorge Alarcão publicaram um estudo em que primeiramente defendem ter sido esta enócoa fabricada no Egipto, no período ptolomaico, o último da antiga monarquia egípcia. Contudo, mais recentemente, o egiptólogo Marcus Carvalho Pinto realizou um estudo mais detalhado desta pequena peça, analisando aspetos como o seu método de fabrico, origem, função e cronologia, defendendo a possibilidade de a peça ter sido fabricada na chamada Época Baixa do Egipto, entre os séculos VIII e IV antes de Cristo!

Temos assim que, como resultado dos estudos realizados, este pequeno jarrinho, uma miniatura destinada a conter óleos perfumados, foi fabricado num atelier egípcio há mais de dois mil anos. Não sabemos quando terá vindo parar à Lusitânia, mas deve ter sido por via cartaginesa ou romana, através das redes do comércio mediterrânico. Parece ter sido mantida e utilizada durante muitos anos, quiçá por diferentes gerações da mesma família, que, no século I da nossa Era, a depositou na sepultura de um familiar, no território do atual Concelho de Almeirim, no Ribatejo. Na mesma sepultura estavam vários outros objetos de vidro e um espelho em bronze.

Enócoa de vidro recolhida em Almeirim

Algures na transição entre os séculos XIX e XX, esta sepultura romana foi encontrada, em Almeirim, em terrenos do Conde de Sobral. Uma filha do Conde de Sobral, casada com o Conde de Margaride e, portanto, residente em Guimarães, trouxe consigo o interessante espólio, que veio a doar ao Museu Martins Sarmento, onde se encontra.

Esta foi a viagem da pequena enócoa de vidro egípcio recolhida em Almeirim, e que é a peça em destaque no mês de julho, no Museu Martins Sarmento, onde pode ser presencialmente apreciada.

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