A cantarinha africana
Um cântaro escuro, tampa decorada com pequenos pássaros reunidos em círculo, representando a solidariedade familiar que se concretiza no consumo comum de uma bebida. O espanto paralisa-me, por segundos, tais são as semelhanças com a cantarinha dos namorados, da qual Guimarães tanto se orgulha…
Recuemos algumas horas, para perceber onde e como encontrei este gémeo dizigótico do artesanato vimaranense.
A aldeia parece adormecida neste pós-almoço de domingo. Chegamos a pé e, talvez por causa desse comportamento estranho entre turistas, passamos despercebidos até ao cemitério povoado de cabras, altura em que o berro dos animais desperta as crianças, que se aproximam, tímidas.
Tanou Sakassou fica aninhada no mato, a 10 km de Bouaké, como tantas aldeias na Costa do Marfim, mas possui uma particularidade – é lar de uma comunidade de oleiros que, há décadas, cria a mais bela cerâmica do país. Estas joias do artesanato marfinense são apresentadas e colocadas à venda em Abidjan com regularidade, mas visitar os artesãos permite-nos descobrir todo o processo criativo.
Edwige, grande embaixadora da sua terra e da arte que a representa, recebe-nos com paciência, detalhando cada etapa, da recolha do barro ao acabamento das peças de belos tons acastanhados ou negros. As cores resultam de um segundo cozimento em fogo vivo e da imersão da cerâmica numa solução avermelhada, feita a partir da casca triturada de uma árvore que no dialeto local se chama “séa”.
Num pequeno torno manual, a nossa anfitriã rapidamente transforma a argila maleável num pote. Algumas crianças, filhas dos artesãos, ensaiam igualmente as suas primeiras criações, sob o seu olhar atento e maternal.
A aldeia deve a sua fama à falecida Kwa Aya, avó de Edwige, que transformou uma arte rotineira numa fonte de sustento, organizando as mulheres em cooperativa em 1986, por sugestão de visitantes franceses que se apaixonaram pela sua cerâmica. Um gesto que transformou Tanou Sakassou. Dos cerca de 2000 mil habitantes, mais de 200 vivem hoje, direta ou indiretamente, da olaria.
Um orgulho transportado para cada peça que povoa o espaço de exposição. São dezenas, quiçá centenas de peças, úteis e decorativas, de uma delicadeza e originalidade tocantes, prontas para seduzir os visitantes. De panelas para preparar kédjénou, a vasos, loiça diversa e objetos mais contemporâneos, as peças são decoradas com padrões geométricos inspirados nas crenças e ritos bauolé, outras assumem contornos zoomórficos ou antropomórficos.
Entre grandes jarrões e pequenas travessas encontro o tal cântaro, não dos namorados, mas a representar a união familiar. Falta-lhe o detalhe da mica, é verdade, mas percorre-me um choque de reconhecimento inegável, que se repetirá no Museu das Civilizações, em Abidjan. A singela cantarinha africana prova que nos une é sempre mais do que aquilo que nos separa.