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Sabroso, 1930. Testemunho de "nobre e remota ascendência"

Gonçalo Cruz
Opinião \ terça-feira, abril 26, 2022
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Embora Cardozo não tenha realizado escavações no Castro, fez, por estes anos, uma atualização da interpretação de Sarmento (...) ensaiando a leitura do monumento à luz dos vestígios visíveis.

“O aparelho da muralha, singularmente acabado (...) apresenta as uniões das pedras bem faceadas e fechadas, dando-nos o tipo rigoroso e perfeito do chamado aparelho poligonal, como se vê reproduzido nas notáveis reconstituições dos muros de Micenas (...) A muralha, em talude, servia ao mesmo tempo de contraforte de sustentação das terras do planalto, tendo sido em parte reforçada por uma segunda capa de pedra, sobreposta à primeira (talvez porque o primitivo revestimento, mal construído, fendesse ou ameaçasse ruína), e com os alicerces praticados a maior profundidade, elevando assim o comandamento da defesa sobre o terreno exterior. ”*

* Mário Cardozo, 1930, Citânia e Sabroso. Notícia descritiva, SMS, pp. 51-52.

Passados cerca de cinquenta anos sobre os trabalhos de escavação de Martins Sarmento, as ruínas do Castro de Sabroso passaram por um período de abandono, ao longo do qual voltaram os saques de pedra que se tinham verificado desde há séculos, mormente a classificação do sítio como Monumento Nacional. Após uma destruição significativa, no ano de 1919, comunicada à Sociedade Martins Sarmento pelo Dr. João Antunes Guimarães, a SMS empreendeu esforços no sentido de retomar a conservação do local, a par com as ruínas da Citânia de Briteiros. No entanto, e curiosamente, apesar de alguns trabalhos de conservação realizados nos anos de 1928 e 1929, o Castro de Sabroso não seria beneficiado com trabalhos de restauro como se fez na Citânia, já estes parcamente financiados pela DGEMN, durante os meados do século XX. Ainda bem, por um lado, porque, graças a isso, o que vemos hoje em Sabroso é original...

Deve-se, contudo, a Mário Cardozo a iniciativa de retomar a valorização de Sabroso através de um conjunto de ações relevantes; a colocação dos limites da área protegida, em 1929; a realização do único levantamento conhecido das ruínas, no ano de 1930; a inclusão do Castro de Sabroso nos guias para visitantes da Citânia, cuja primeira edição, de 1930, citámos acima (e que a SMS continua a editar).

Embora Cardozo não tenha realizado escavações no Castro, fez, por estes anos, uma atualização da interpretação de Sarmento, matizando os aspetos mais criativos ou hipotéticos e ensaiando a leitura do monumento à luz dos vestígios visíveis, particularmente a arquitetura doméstica, as construções defensivas e o espólio recolhido.

Mantendo-se silencioso quanto ao episódio trágico da expedição de Bruto, Cardozo coloca a tónica na ausência de vestígios de Romanização, desenvolvendo a ideia de um povoado em estado pristino, intocado pela cultura romana, ideia que, em parte, se mantém hoje. Sem cerâmica romana, sem inscrições latinas, sem moedas (além de uma, recolhida por Sarmento e considerada excecional), sem telha romana, para Mário Cardozo, "Sabroso é pobre" (na mesma obra, p. 50) mas, ainda assim, de "excecional importância" (p. 54) e, com a Citânia "o testemunho mais intenso de uma nobre e remotíssima ascendência e da pureza de uma raça antiga e forte." (p. 61). Discurso próprio da época, naturalmente.

Mário Cardozo tirando notas em trabalhos de escavação em Sabroso. Fotografia de 1958

Mário Cardozo tirando notas em trabalhos de escavação em Sabroso. Fotografia de 1958

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