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Tanto crime para tão pouca pena: análise abstrata do processo das violações

Carlos Caneja Amorim
Opinião \ quarta-feira, outubro 16, 2024
© Direitos reservados
Nesta espécie de casos, eu defendo que os Tribunais Portugueses, para atuar em respeito pela constituição, devem rejeitar, por inconstitucional, o limite de 25 anos, em caso de cúmulo jurídico.

Sou advogado de uma das vítimas do processo-crime referenciado como: “O violador de Guimarães”. Estão em causa 15 crimes, sendo 7 de violação, 1 de ofensa à integridade física, 4 de roubo, 2 de coação sexual e 1 de coação.

Hoje começou o julgamento e importa dizer o seguinte: até condenação transitado em julgado ninguém é culpado. Aliás: os arguidos presumem-se inocentes, até decisão final transitada. Assim, aqui e agora, vou fazer uma análise abstrato, apenas e só, na lógica de se analisar como pode ser feita justiça em Portugal no caso da prática de diversos crimes graves por um só arguido e quando o Código Penal fixa como limite máximo a pena de 25 anos de prisão (mesmo na soma de todos as penas parcelares para se chegar à pena única final).

Desde já: Sou contra a pena de morte e sou contra a prisão perpétua sem possibilidade de revisão. Mas sou 1000 % favorável e defendo a possibilidade de penas de prisão bem superiores a 25 anos (cúmulo material sem limites), com possibilidade de revisão para efeitos da concessão de liberdade condicional nos termos legais (1/2, 2/3 e 5/6 da pena).

Para defesa dessa tese, faço apreciação de outro processo do passado longínquo:

Na última década do século passado, foi notícia trágica no norte do país (AMARANTE), o homicídio qualificado, na forma consumada, de 13 pessoas e o homicídio qualificado de 22 pessoas, na forma tentada, acrescendo ainda, para além de outros crimes, um de incêndio. Ficou conhecido como o processo “Meia Culpa”.

Não obstante, ter ocorrido uma decisão judicial, com trânsito em julgado, a dar praticados todos esses crimes por parte de vários arguidos, a pena aplicada global unitária concreta foi de 25 anos. Repare-se: por cada crime de homicídio qualificado na forma consumada o tribunal aplicou 20 anos de prisão, e por cada um na forma tentada, 10 anos, bem como de 8 anos no de incêndio.

Resulta, destarte, que, em rigor, apenas um crime teve castigo e retribuição penal: os demais não tiveram, no essencial, pena concreta. A razão: a lógica de cúmulo jurídico fixado no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, o qual fixa: “2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.” Clarificando: cometendo o arguido vários crimes, ele vai ser condenado na pena concreta por cada crime e, por fim, todas as penas parcelares vão ser somadas para efeitos de se saber qual é a pena máxima global final (pena única). Se o arguido tiver cometido vários crimes graves, o mais certo é ter uma soma de penas de prisão superior a 25 anos (como se viu no caso acima referido). O legislador penal português (Parlamento/Governo) optou por fixar que, mesmo em caso de cúmulo (soma), nunca se pode aplicar mais de 25 anos de prisão. Daí no “Meia Culpa” só se ter aplicado a pena de 25 anos quando o cúmulo, para parte de alguns arguidos, gerar um total material de 488 anos de prisão. Fácil é de ver que, como em casos similares (ver processo-crime de homicídios de Aguiar da Beira, por relação a Pedro Dias, também condenado em 25 anos), parte significativa dos crimes não tiveram punição.

No meu modesto entendimento, mas sempre com respeito por opinião mais fundada, em termos jurídico-constitucionais, tais acórdãos não fazem JUSTIÇA! E isso não é aceitável, nem proporcional, nem constitucional, atenta a grosseira violação do Princípio da Justiça, estrutural de um Estado de Direito Democrático. O poder constituinte nunca autorizou, nem podia autorizar, que o Princípio da Justiça, como Direito Natural Elementar de Uma Sociedade Democrática, possa ser obliterado ou derrogado no seu núcleo essencial. O regime legal não permite que os cidadãos andem armados para se defenderem, bem como não permite a legitima defesa em excesso e não permite a vindicta privada, isto é, a justiça (vingança) pelas próprias mãos. Ora, tal sucede, porquanto o Estado garante que fará Justiça em cada caso concreto e, assim, o cidadão pode estar seguro de que nenhum crime fica impune. Infelizmente, não se fazendo uma interpretação conforme à constituição, e, dessa forma, limitando-se a pena única dos vários crimes aos 25 anos, tal tem como consequência factual insofismável que crimes haverá que não são punidos. Sim, recebem 0 dias de punição.

Como é fácil de ver e notório constatar tal interpretação é violadora do mais básico e elementar sentido de Justiça.

Parafraseando Immanuel Kant: todo o regime ou país onde não existe Justiça está em vias de extinção.

O Parlamento da República Portuguesa e o Ministério da Justiça, ao longo da história, participaram e participam num sem fim de processos legislativos que violaram e violam, de forma grosseira e sem perdão, a citada ideia sagrada de JUSTIÇA.

Repare-se: Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito (Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi), partindo da visão do Jurisconsulto Ulpiano - sendo esta visão integrante do Corpus Iuris Civilis, como expressão da necessidade de sujeição do homem à lei.

Para frustração total e integral deste sentido de Justiça, o Código Penal Português, fixa, por sua vez, no artigo 40.º, (com a epigrafe: finalidades das penas e das medidas de segurança):

“1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.”

Sim, comum português, como eu: não fique de boca aberta! O Código Penal Português diz, de forma expressa, neste artigo, que a pena não visa punir o arguido, nem fazer Justiça à Vítima do crime.

O legislador (e não os Juízes de Direito, nem os procuradores da República) está, apenas e só, preocupado que o arguido não cometa mais crimes no futuro e se reintegre na sociedade (prevenção especial) e que a sociedade também perceba que a lei penal é para respeitar (prevenção geral).

Se não fosse um assunto tão sério e grave, ria em vez de chorar.

Abrindo o jogo: razões ideológicas estiveram na base de se esconder do povo soberano tais regimes totalitários, antidemocráticos e fascistas (sem esquerdas, nem direitas).

Não punir, em concreto, cada um dos crimes, implica, ipso facto, não existir um Estado de Direito.

O Prof. Dr. Figueiredo Dias, ilustríssimo penalista, tinha todo o direito de defender esta tese que está refletida no Código Penal e que fez ruir a lógica absoluta de retribuição penal.

Simplesmente, em termos democráticos e soberanos, a opinião dele vale tanto como a minha: vale um voto.

Esta é uma questão de soberania no campo da Justiça: e não são as novas catedrais (que declararam guerra e venceram as Catedrais Católicas da, dita, longa Idade Média: transferência bélica do poder fáctico dominante de uma determinada nação e sociedade da Igreja Católica para o Poder de outras Instituições, incluindo, Universidades, com paixões mais alquímicas e laicas) académicas e de letrados que vão criar um regime legal que é da exclusiva atribuição e competência, na íntegra, da ASSEMBLEIA CONSTITUINTE SAGRADA GLOBAL, por extenso, O POVO!

Destarte, é chegado o tempo de dizer: PAROU!

Os tribunais, não obstante esta letra de lei ser, em si própria, criminosa e ilícita (legislador/Governo merecem ser arguidos e prestar constas pelo crime de DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA), têm ferramentas legais que permitem corrigir a INJUSTIÇA: basta fazer uma interpretação conforme à constituição dos artigos 40.º e 77.º, n.º 2, do Código Penal, considerando-se inconstitucional a limitação de 25 anos, no caso de cúmulo jurídico por vários crimes graves.

Saiba-se que, em Espanha, Itália, França, Alemanha (na Inglaterra existe e pena de prisão perpétua sem possibilidade de se fixar prazo judicial de revisão) não existe essa limitação nos cúmulos: os Tribunais destes países de perfil civilizacional de vanguarda e prestígio internacional podem condenar em prisão perpétua com obrigação de revisão em prazo judicialmente fixado (que eu defendo de 25 anos).

Assim, nesta espécie de casos, eu defendo que os Tribunais Portugueses, para atuar em respeito pela constituição, devem rejeitar, por inconstitucional, o limite de 25 anos, em caso de cúmulo jurídico, por diversos crimes graves, podendo aplicar o número de anos que resulta de soma de todas as penas parciais como limite máximo da pena única.

Tendo, destarte, legitimidade para aplicar pena superior a 25 anos (que se pode traduzir, por referência à esperança média de vida do arguido, em prisão perpétua).

Ora, como a lei penal, em sede de execução de penas, permite a saída em condicional, a 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena única, o arguido terá sempre a possibilidade de sair em condicional, pondo-se fim a uma possível prisão perpétua em termos de facto. Só assim, pelo menos em sede de condenação, todos os crimes praticados terão uma pena/sanção/retribuição concreta, real e proporcional, bem como todas as VÍTIMAS (e/ou familiares) terão o conforto mínimo de sentirem que alguma JUSTIÇA foi feita.

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