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Testemunho de um dia festivo na Vizela do século III

Gonçalo Cruz
Opinião \ sexta-feira, janeiro 03, 2025
© Direitos reservados
O nome de Arquelau Claudiano gravado nesta arquitrave testemunha a sua presença na região. Também nos testemunha a importância da povoação, a Vizela romana.

O jurista vimaranense Manuel Barbosa terá sido o responsável pela recolha da peça que aqui descrevemos, nos finais do século XVI, ou inícios do XVII. No que parece ser uma tendência de diferentes eruditos locais nesta época, Barbosa mandou trazer a peça das Caldas de Vizela, para a sua quinta em Aldão. Fosse por ímpeto colecionista, gosto pelas antiguidades ou apenas a proteção de vestígios antigos, esta ação propiciou de facto a conservação de um raro vestígio da Vizela romana, mencionado em várias obras dos séculos XVII e XVIII. A peça, que, de Aldão, José Ribeiro Martins da Costa fez transportar para o Museu Martins Sarmento em 1887, é uma pesada arquitrave em granito com uma inscrição honorífica da época romana.

Veem-se dois chanfros dos dois lados da peça, e três superfícies oblíquas sobrepostas, na sua face mais exposta, duas das quais receberam a inscrição. O elemento poderia estar assente sobre uma ordem de colunas ou servir de lintel de uma portada. Estava já fragmentado em duas partes no século XVIII, segundo as fontes, situação que, provavelmente já no Museu, se procurou colmatar com a junção dos elementos e a sua ligação com argamassa.

Podemos perguntar-nos porque é que um bloco granítico com mais de dois metros e meio de comprimento, e quase meio-metro de altura, precisava de ser protegido. É que, na verdade, as suas dimensões sugerem o seu reaproveitamento, como deve ter acontecido com outros elementos do edifício que integrou. Seria este uma construção monumental, o que se conclui das dimensões desta arquitrave e do conteúdo da inscrição, que é simples, mas claro: "Decicavit Titus Flavius Archelavs Clavdianvs legatvs Avgvsti" ou "Dedicado por Tito Flávio Arquelau Claudiano, legado de Augusto", entenda-se aqui "legado imperial".

Um texto tão simples, mas que tanto nos diz. Arquelau Claudiano, que viveu no século III, seria natural de Philadelphia, não a atual metrópole de além-atlântico, mas a antiga cidade da Lídia, no atual ocidente da Turquia. Dali para Roma, parece que o protagonista da epígrafe de Vizela seguiu uma carreira política que o fez um importante personagem da administração imperial. Na altura em que se inaugurou o enigmático edifício de que esta arquitrave faria parte, Arquelau Claudiano era um membro da ordem senatorial, nomeado pelo imperador para assistir na administração da província Tarraconense, também conhecida como Hispânia Citerior, à qual este território pertencia, e que ia desde a atual Catalunha, à costa atlântica do Noroeste.

Arquitrave de granito com inscrição latina recolhida em Vizela

Enquanto legado jurídico, auxiliaria o governador provincial na aplicação da justiça, particularmente nos territórios mais afastados da capital da província, que era, neste caso, Tarraco (Tarragona). A inscrição é genericamente considerada como posterior ao reinado de Caracala, morto em 217, e anterior ao de Diocleciano, o imperador que viria a criar a província da Galécia. Não se consegue, contudo, identificar o imperador a que a epígrafe se refere, porquanto se pretendesse assinalar a presença do seu legado.

O nome de Arquelau Claudiano gravado nesta arquitrave testemunha a sua presença na região no momento em que inaugurou a construção ou ampliação de um edifício público. Também nos testemunha a importância da povoação em que foi construído, a Vizela romana.

Se olharmos para a proveniência dos elementos arqueológicos procedentes de Vizela, abundantes mas pouco contextualizados, a localização desta peça na zona do largo da Lameira (atual Praça da República), onde se localizaram vestígios de um edifício termal, bem como a referência dos autores que referem a recolha desta peça aos antigos tanques dos banhos romanos, sugerem que a arquitrave terá integrado umas termas.

Poderia tratar-se de um amplo complexo público de banhos, mas também de um templo, uma basílica, enfim, um espaço merecedor da propaganda imperial. O que temos como certo, além da ancestralidade dos banhos vizelenses, é que o edifício foi inaugurado, com pompa e circunstância, algures num dia festivo do século III, pelo representante do imperador.

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