Tudo está o melhor possível...
“Políticas públicas” são tidas como essenciais para a nossa qualidade de vida e elementos fundamentais e propulsores de mudança e melhoria de uma sociedade organizada que procura o seu progresso e bem-estar.
A elas são inerentes uma acção governativa (na verdade e de alguma forma, as mesmas transcendem o governo democrático que se vai renovando ou substituindo) e o pressuposto de um quadro de estabilidade de instrumentos e actores – nomeadamente metodologias, opções, legislação e administração técnica e política – superadores da espuma dos dias e das lutas momentâneas e errantes que a competição, a vontade e a ânsia de “ser melhor do que o outro”, de “ser protagonista e autor”, tantas vezes, nos conduz a uma acção acessória, inconsequente e desnecessária.
“Políticas públicas” que (assim se deseja) respondam às nossas necessidades e mitigação | eliminação das nossas fragilidades e debilidades.
A habitação é, hoje, tema recorrente e presente no país, seja pela visibilidade como problema, seja pela exposição enquanto necessidade, seja pela multiplicidade ora de reclamações e protestos por soluções e respostas, ora de constante percepção de que as mesmas tardam e retardam.
Na verdade, o problema da habitação parece ser consensual, não se afigurando encontrar quem tal negue. Igualmente, na verdade, a falta de resultados parece também ser consensual, não se visibilizando quem reconheça às opções e políticas assumidas e implementadas efeitos bons. Entre um e outra, na verdade, parece ser consensual que os resultados demoram, as necessidades agravam-se e as soluções serão sempre complexas na implementação, na produção de mudanças, no tempo de repercussão positiva na vida das pessoas.
Seja como for – e é convicção de que assim é – vive-se um momento cada vez mais estranho e, dir-se-á, cacofiano. Quando mais precisávamos de estabilidade, assertividade, concertação e foco, não deixamos de cair na tentação de “olhar para nós próprios” e uns barricarem-se nas opções tomadas, outros quererem mudar opções que “mal nasceram”, outros ainda anunciarem sonhos e facilidades de acesso e financiamento que, em síntese e no final, tudo deturpa, erradamente percepciona e contribui para um estado que navega entre a negação do problema, a satisfação momentânea e a falta de expectativa de caminho na construção de soluções.
Ao nível das “políticas públicas”, independentemente do mérito e valor das mesmas, o governo anterior construiu um quadro de actuação que, ainda não todo implementado e estudado, já se perspectiva alterável pela actual estrutura governativa. Ao nível do problema, pese todos os avisos, precauções, acções e reacções, o valor imobiliário da habitação, não pára de crescer, a oferta de arrendamento não sinaliza reduzir e o número de situações de pessoas que desejam um “abrigo e uma casa” não se interrompe no seu crescimento.
E, em conjugação com tudo isto, persiste, insiste e cresce uma actividade imobiliária que nos promete e garante “ser o meio para alcançar o sonho”, “ser a chave da porta de acesso ao paraíso de um lar novo”, numa alquimia que tem tanto de surpreendente quanto de fantasia e de multiplicidade de perguntas sem respostas…
Numa atenta perspectiva sobre a multiplicidade de anúncios e painéis publicitários que abundam no nosso espaço público, descobre-se uma nova realidade feita de um grupo, cada vez mais crescente, de intermediários do sonho e da qualidade, de guardiões do paraíso que… pode ser prometido e esboçado, mas, desconfia-se, jamais vendido e negociado como um passo de magia anunciada.
Sente-se o problema, fala-se da solução, promete-se mudança, acena-se com o “paraíso”… e, voltamos à mesma constatação de hoje e de ontem (temendo que amanhã seja dia repetido) sintetizada por Voltaire no seu livro “Cândido e o optimismo”: tudo está o melhor possível!