Um novo ano...
Depois de um período de estio e pausa, experimenta-se retomar a actividade quotidiana e confirmamos que não é imediata a nossa adesão e reconfiguração mental. O ócio exerce em nós uma letargia e uma inércia que nos inebria e nos faz sentir saudades antes delas se justificarem. E, assim, resistimos, quase recusando, regressar, no caso e invariavelmente, a um novo ano.
Na verdade, para muitos, e em tantas áreas e actividades, é neste “retomar setembrino” que um novo ano se experimenta: a escola e os seus horários lectivos, a redefinição de actividades complementares e ajustamentos de rotinas diárias, a fixação de objectivos que alimentem documentos previsionais, o cumprimento de propósitos e intenções, promessas de diferentes atitudes e que, “agora é que será”!
Para a comunidade composta por todos nós, este novo ano afigura-se exigente e singular, adivinhando-se a preparação e densificação do acto eleitoral autárquico (agendado e concertado para 2025). Exigente e singular pelo que significa a eleição de quem, por excelência e em primeiro plano, cuidará e gerirá a “coisa pública” (aquela que é de todos nós), mas também porque dela resultará o espelho e o retrato da nossa capacidade de exercer cidadania e bem escolher; dela resultará a confirmação ou infirmação da qualidade dos eleitos e “de quem nos comanda”.
Será um ano de perspectiva e prospectiva, num cruzamento de avaliação do que foi o tempo passado, o seu significado e legado, as suas consequências e marcas neste território tão frágil quanto singular (como é o vale do Ave), com a formulação de intenções, projectos e ideias de crescimento e melhoria, correcção e reforma, ruptura ou continuidade. Será um ano em que a probabilidade de ecoar repetida e sucessivamente as palavras ambição, compromisso, verdade e crescimento é tão grande e certa que, teme-se, as mesmas sejam desvalorizadas e lateralizadas, porventura, relativizadas e, quem sabe, ignoradas. Será um ano de “nomes e listas”, de candidatos e pessoas que emergem como possíveis e futuros incumbentes, sempre com o propósito (acredita-se) de tudo fazer e bem fazer!
Acredita-se que esta realidade é incontornável e que, na verdade, é sinal de democracia, de liberdade no exercício e na escolha, na humanização da decisão e na opção, na singularidade da qualidade e do erro, na conjugação de tudo aquilo que é mais cimeiro da vida humana: liberdade, igualdade, fraternidade, justiça, na construção da dignidade humana.
Todavia, há momentos em que convém sublinhar o óbvio, não por simples prazer inconsequente, mas porque o óbvio também merece ser dito e escrito, é inegável e importante e porque, tantas vezes, relegamos o mesmo para um plano tão secundário quanto esquecido. E, no caso, o óbvio é não esquecer de que, para tudo, há um pretexto, um contexto e um texto: pretexto enquanto causa e vontade, enquanto afirmação e convicção, na resposta clara e certeira às perguntas porquê(?) e para quê(?). Contexto porque não vivemos dimensão abstracta, antes real, palpável e sentida, não sendo possível recusar ou afastar o legado e a história, aquilo que nos deixaram como herança, na certeza de que todos aqueles que são eleitos representarão uma instituição que possui história e continuidade, não sendo possível fazer “tábua rasa” do dia de ontem e de assumir a “folha branca” para o dia de amanhã. Texto como síntese do compromisso e da honra em fazê-lo cumprir no seu facto e direito, ou seja, nos seus pressupostos programáticos, nas suas convicções ideológicas, nos seus objectivos bondosos, na sua adequação legal e normativa. Texto como ética e como meio de prova e confirmação dessa ética.
Sabe-se de antemão o quanto dificilmente se evitará o ruído e a polémica; sabe-se (por experiência vivida) o quanto é complexa a “dança de lugares e o ajustamento de posições”; sabe-se da feroz concorrência da afirmação do ego e da sobreposição de interesses e vontades, mas deseja-se (e acredita-se) que este ano seja ano de real crescimento comunitário, em que todos nós saibamos ler o que fomos, o que fica, o que queremos ser o que poderemos ser. Sobretudo, o que desejamos ousar ser e conquistar. E fazer dessa utopia ousada sonho alimento da acção de cada um e de todos nós na construção do melhor que podemos, devemos e merecemos ser!