Uma conta de vidro antigo e o que ela nos revela
"A crença do poder do mau-olhado, também conhecida por “fascinação” está bem atestada desde os tempos egípcios, e tratou-se de um fenómeno que se espalhou por todo o mundo antigo, subsistindo, ainda hoje, em certas partes do Mediterrâneo onde ainda se utiliza, como principal amuleto protetor, uma conta representando um olho ou, simplesmente, uma conta de cor azul, presas à roupa ou como peças de joalharia."*
*Hugo Parracho Gomes, O vidro pré-romano no Norte de Portugal, U. Fernando Pessoa, p. 123
Encontram-se por vezes, nos pequenos mercados e feiras, alguns destes pendentes azuis, com representação de um olho. Embora o seu significado possa evoluir para diferentes leituras, consoante a área geográfica ou o período histórico, vários símbolos foram usados ao longo dos séculos, atravessando contextos culturais distintos.
Diferentes línguas, escritas, religiões, formando uma linguagem universal. Por vezes com significado e forte valor simbólico, por outras, com valor meramente estético. Parece tratar-se de uma estética consensual, posto que todas as pessoas que observaram a conta de vidro encontrada na escavação arqueológica realizada na Citânia de Briteiros, em Julho passado, não hesitaram em dizer "que bonita!". Pode isto também significar que o que consensualmente consideramos como belo, pode não ter mudado muito nos últimos dois mil e quinhentos anos.
Certo é que este objeto "não é de cá". Hábeis no trabalho do granito e da metalurgia, inclusive da ourivesaria, os habitantes dos nossos castros não dominavam a relativamente complexa (direi eu) produção de vidro. Mas por ele se sentiriam fascinados. Material exótico, distinto, frágil, belo, o vidro era então coisa rara por aqui. Sulcava o Mediterrâneo, desde as costas da Fenícia, Palestina e Egipto, e atingia a orla atlântica em parcas rotas comerciais controladas pela próspera cidade de Gadir (atual Cádis), fundação fenícia no Sul da Península.
De formato subcilíndrico, fabricada em pasta de vidro polícromo e opaco, esta conta de 1,3cm de diâmetro mostra, sobre o fundo azul cobalto, sete "óculos" ou olhos, dispostos em ziguezague, cuja pupila é também azul cobalto, rodeada por três aros de branco, azul e novamente branco. As suas características são comparáveis a alguns exemplares, recolhidos noutros sítios arqueológicos, para os quais se considera uma cronologia anterior ao século V. a. C., podendo embora ter sido fabricada nos séculos seguintes.
O mais inesperado foi o local onde apareceu a peça. Recolhida em contexto numa das valas escavadas na campanha de Julho, na encosta nascente da Citânia, testemunha, juntamente com outros vestígios coevos, uma ocupação da Idade do Ferro numa área antes considerada como de expansão do castro num período mais próximo da época romana. Parece assim confirmar-se a grande dimensão da Citânia num período mais recuado.