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Uma pátria chamada língua portuguesa

Ruthia Portelinha
Opinião \ sábado, abril 30, 2022
© Direitos reservados
O português é um lugar de afetos para quem está longe, como prova a popularidade do festival da lusofonia em Macau, onde o stand do Brasil e as suas caipirinhas nos são tão familiares.

O carro está cheio de malas, um mapa estendido sobre o volante, a família pronta a partir. Antes de nos fazermos à estrada, olhamos para os nomes das terras. Sentimos a fronteira com o dedo, antecipando o prazer de novas paisagens, sabores e línguas, palavras estranhas nas placas do caminho.

Com toda a certeza, a imagem peca por anacronismo, o mais provável seria usarmos o Google Maps, o Waze ou outro aplicativo do género. Mas, em papel ou no telemóvel, traçamos um itinerário rumo ao desconhecido. E o desconhecido é bom, porque é novidade, nos causa alguma estranheza, constitui uma pausa na rotina. Como cantaria Torga, “Em qualquer aventura, / O que importa é partir, não é chegar”.

Será tanto melhor enquanto habitamos em Portugal, porque quando nos aventuramos além-fronteiras, são as vogais nasais, as semivogais orais e outros sons que caracterizam a língua portuguesa que constituem música para os nossos ouvidos de emigrados.

Quando vemos um cartaz a divulgar um concerto da Mariza na Alemanha, ouvimos falar a língua de Camões na ilha de Lantau, Hong Kong, ou lemos sobre a reabertura do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, o peito infla de emoção. O português é um lugar de afetos para quem está longe, como prova a popularidade do festival da lusofonia em Macau, onde o stand do Brasil e as suas caipirinhas nos são tão familiares.

Quando vivemos no estrangeiro, o crioulo de Cabo Verde ou o patuá macaense são apenas irmãos que foram à sua vida, mas são, ainda assim, parecidos. A língua portuguesa é uma língua de viagem e mestiçagem, rio de muitos rios e, contudo, é a pátria cultural de mais de 240 milhões de pessoas.

 

Toponímia em português em Macau

Toponímia em português em Macau

 

É por isso que, nesta África francófona, os jantares de portugueses constituem quase um ritual solene. Mais que colocar as novidades em dia, falamos no aconchego da nossa língua materna, sem entraves ao entendimento. Claro que qualquer sensação de pertença é acentuada por uma garrafa de tinto do Douro, ou mesmo pelo bacalhau, que atravessou o oceano connosco numa mala de porão.

Hoje em dia, buscamos no Maps mais vezes Portugal, idealizamos roteiros por recantos ainda não demasiado explorados desse país de nome sólido, que se aguenta firme ao vento das diferentes línguas, pelo menos, na escrita. Temos «Portugal» (espanhol, catalão e basco), «Portugal» (francês), «Portugal» (inglês), «Portugal» (alemão), «Portugal» (norueguês), os islandeses acrescentaram um acento «Portúgal», liberdade bem menor que a tomada pelos italianos, que chamam ao nosso país «Portugallo». Só em azimutes mais longínquos a toponímia lusa se torna incompreensível.

Toda esta viagem para concluir que a língua tem a capacidade de nos unir, de nos fazer sentir parte de algo maior. Apesar de recentemente vos ter confessado que já misturo várias línguas nos meus sonhos (Crónica de uma migração anunciada), apesar do dedo continuar a sonhar com fronteiras sobre as arestas de um mapa, é num romance em português que chego, finalmente, a casa.

 

Ruthia Portelinha | Blog O Berço do Mundo

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