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Uma pipa de esmolas

Ruthia Portelinha
Opinião \ sábado, setembro 16, 2023
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Outra região vinícola classificada pela UNESCO fica no vale Wachau, Áustria, ser a terra natal da curvilínea Vénus de Willendorf, por produzir vinho branco e doces licores à base de alperce.

Já muito se filosofou, discorreu e brindou acerca da universalidade do vinho, essa cultura milenar que muçulmanos e budistas não comungam, apesar de servir para firmar amizades, comprar favores, pacificar inimigos e soltar línguas.

Foi um momento inesquecível, pela negativa, aquele em que um amigo partiu uma garrafa de Vinho do Porto do ano de nascimento da autora, à porta de casa, um presente de aniversário que ela nunca pôde degustar e que lhe ficou atravessado na memória.

Não é preciso grandes conhecimentos literários para interpretar a ode do heterónimo pessoano “Circunda-te de rosas, ama, bebe / E cala. / O mais é nada”. Qualquer português pode adivinhar que Ricardo Reis se referia ao vinho, sendo o néctar de Baco capaz de nos reduzir ao silêncio contemplativo.

Em certas regiões do planeta, como o nosso histórico Douro, o ritmo da vida acompanha os humores e fases da vinha, da poda à vindima, como se castas e cepas estivessem entrelaçadas no ADN dos durienses.

Outra região vinícola classificada pela UNESCO fica no vale Wachau, Áustria, conhecida por ser a terra natal da curvilínea Vénus de Willendorf, por produzir vinho branco e doces licores à base de alperce.

A beleza do vale talvez seja melhor apreciada a partir do rio, já que este trecho do Danúbio serpenteia entre montanhas coroadas por castelos e mosteiros, em socalcos com vinhas exuberantes e pomares de alperces. No coração do vale Wachau, existe uma pequena joia medieval chamada Dürnstein, onde várias quintas aliam a atividade agrícola ao enoturismo.

Rodeada por uma muralha com mais de 800 anos, a pequena localidade é dominada pelas ruínas de um castelo onde Ricardo Coração de Leão foi aprisionado, no seu regresso a casa após a terceira Cruzada. Embora existam muitas cidadezinhas nas margens do rio que Strauss imortalizou numa valsa, sabemos que nos aproximamos de Dürnstein ao avistar o seu campanário azul e branco, único no país.

O abade responsável pelo campanário colorido queria que a igreja se destacasse de outros templos vizinhos, nomeadamente o mosteiro beneditino de Melk, grande e impressionante o suficiente para receber a imperatriz Maria Teresa. Para a sua abadia sobressair, escolheu uma paleta de cores de amarelo imperial para o mosteiro e um azul único para o campanário.

O interior da igreja nada tem de extraordinário, apesar dos elementos barrocos acrescentados pelo tal abade ambicioso. Mas há um detalhe absolutamente encantador, a somar ao seu campanário: a caixa das esmolas é um pequeno barril de vinho, em homenagem à principal atividade económica da região.

Por esta altura de vindimas, estará a pipa recheada? Aposto que sim, para que os céus protejam a colheita e permitam brindar com um grüner ventliner - branco brilhante austríaco -, enquanto noutros lados se escolhe um tinto maduro do Douro, um pinotage sul-africano, um verdicchio italiano ou um chardonnay francês. Porque a vida é muito curta para brindar com mau vinho.

Ruthia Portelinha, viajante e autora do blog O Berço do Mundo

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