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Verdade!

Filipe Fontes
Opinião \ quarta-feira, junho 14, 2023
© Direitos reservados
Devemos cuidar da verdade e dela velar de forma aveludada e global, de modo real e sentido, cruzando perspectivas e aceitando sínteses.

“Hay que distinguir. Las verdades matemáticas no cambian. Pero el significado de las palavras sí. Nuestras palavras no son las suyas. Se trata de reconstruir el significado específico que una verdad tenía en un determinado contexto.”,

Carlos Ginzburg, El País, 11 junho ‘23

Há palavras que não resultam de verbo conjugado, antes são substantivo imperioso que se revelam omnipresentes no nosso quotidiano ou pela sua infeliz omissão, ou pelo seu impacto justo e grave. Tanto é que justificam justapôr-se a temas actuais e relevantes, tanto é que se explicam e se impõem por si mesmo!

Há palavras, necessaria e desejavelmente “necessárias e desejadas” e que existem para retratar e qualificar, sendo simultaneamente constatação e balanço, confronto e equilíbrio.
Verdade é uma dessas (poucas) palavras e, confessa-se, das mais fáceis de verbalizar e das mais difíceis de praticar. Não por dificuldade em aceitar o que significa, não por banalização e secundarização, mas sim, pela verdadeira noção e consciência (julga-se) da sua dimensão e exigência de racionalização e objectividade, de imparcialidade e verificação.
Na verdade, a “verdade” tem sempre duas perspectivas: aquela objectiva e indesmentível dos factos ocorridos e a das palavras ditas. Não há possibilidade de versões ou divergências. Ver e ouvir são como são e, de alguma forma e no limite, mensuráveis e quantificáveis. A outra, aquela subjectiva e implicada pela forma como vivo e sinto os factos ocorridos e interpreto as palavras ditas. E, aqui, há tantas possibilidades quantos seres humanos existem, abrindo-se porta à diferença, à diversidade e à discricionariedade. Sentimento e interesse são como são, sempre relativos e dependentes.

Porque assim é, devemos cuidar da verdade e dela velar de forma aveludada e global, de modo real e sentido, cruzando perspectivas e aceitando sínteses que a objectividade dos factos e a subjectividade da individualidade permitem e alimentam.

Não deixando de ser recorrente, hoje, talvez nunca como hoje, somos confrontados com esta palavra e todo o seu universalismo e sua relativização, sua imutabilidade pétrea (mesmo que escondida e omitida) e sua variabilidade tão dinâmica quanto maior e diferente for o número de indíviduos presentes.

Na verdade, no momento presente, a inteligência artificial coloca novos limites à noção de verdade, as redes sociais introduzem novos hábitos e campos de exploração da verdade e nós, todos nós, não deixamos de praticar a mesma relação com a verdade: manipulação quando interessa, nua e crua em autodefesa e apologia do nosso “eu”.
Assistimos à adulteração de textos, imagens e notícias, lemos e acreditamos na miríade de “coisas” (e é certa a utilização desta palavra: coisas) que as redes sociais oferecem, deixamos de ler e procurar lentamente, absorvendo, ponderando e, no balanço, concluindo e optando, antes preferindo o imediatismo e o aparente conforto da aparência. A suposições simples “se foi assim, se foi este ou aquele…” assistimos a respostas desviantes e deturpadas, até atingir o climax de “não respondi porque não perguntou exactamente…”. Perante a necessidade real de informação sobre factos ocorridos e objectivos – quando, onde, quem, … - preferimos construir a nossa prévia verdade e, depois, criar a história à nossa imagem, facilitando escrever a pergunta à resposta antecipadamente formatada.

Talvez este texto seja demasiado errante e divagador, mas é convicção de que a verdade se encontra em perigo e urge defendê-la. O autor destas palavras experimenta essa realidade no dia-a-dia profissional, quando assiste à invenção de dificuldades e argumentação conceptual para combater e negar a evidência, para, querendo “dizer não”, erguer muros e cenários, contextos e argumentos que vão errando e variando conforme o interesse e a dinâmica do momento. O que torna tudo muito mais preocupante…
O mundo muda a uma velocidade nunca vista e a verdade, que já não sabemos o que é e como é, vai mudando com o momento. Ainda não a descobrimos e ela já se transfigurou nessa palavra gasta de tão repetida: narrativa.

Recorda-se aquela frase lida algures num mural urbano anónimo: “se a resposta é assim tão natural, então qual é a pergunta?" Não te canses, a pergunta não existe porque não é necessária. E, assim, directos chegamos à resposta e ao que interessa… independentemente da verdade, ter razão.
Procurar a verdade é dever. Alcançar a verdade é direito. E aceitar a verdade é fatal para a nossa sã convivência enquanto comunidade. É a base da estabilidade e da segurança que a todos deve ser comum. Para bem de todos!

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