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A Evasão do Orçamento

André Teixeira
Opinião \ quinta-feira, setembro 19, 2024
© Direitos reservados
Um Orçamento define prioridades e permite fazer escolhas setoriais estratégicas, devidamente apoiadas pelo poder político, legitimando o uso do dinheiro público para a atividade governativa.

Acabados de sair de férias e a um ano de distância de eleições autárquicas, os portugueses deparam-se uma vez mais com o já familiar drama do Orçamento de Estado. Sendo o mais privilegiado de todos os instrumentos governamentais no que toca à introdução e condução de política públicas, o Orçamento é um aglomerado de propostas, retalhadas por duros processos de negociação que procurem dar voz e substância à realidade dos equilíbrios de poder parlamentares. Um Orçamento define prioridades e permite fazer escolhas setoriais estratégicas, devidamente apoiadas pelo poder político, legitimando o uso do dinheiro público para a atividade governativa. Ora este planeamento estratégico é raro no nosso país, onde o Orçamento tende a ser mais uma ferramenta de pré-campanha eleitoral do que um instrumento para efetivar uma visão de um país melhor e diferente. Para mais, no contexto atual, não é fácil prever o resultado das negociações.

Para este Governo minoritário, incerto do seu horizonte de sobrevivência, a prioridade é assegurar o bem estar da maior quantidade possível de grupos críticos de eleitores, como professores, militares e pensionistas. Lançando várias iniciativas nas áreas da Saúde, Habitação e Educação, o seu rol de protagonistas de variada qualidade tem o condão de oferecer algo diferente a uma população desejosa de soluções inovadoras para os seus flagelos do costume, ainda que as soluções propostas sejam profundamente ortodoxas e pouco consequentes. Não será com grandes perdões fiscais aos jovens mais favorecidos e com a criação de centros de saúde privados que iremos fixar talento e melhorar o SNS, mas a ideia de que algo de novo está a ser tentado é apetecível. A possibilidade de governar em duodécimos não assusta um PSD (assumindo a irrelevância política do CDS) que atribuirá à oposição toda e qualquer responsabilidade pelo seu falhanço em cumprir a sua proposta eleitoral: fornecer respostas fáceis e imediatas para problemas históricos e complexos.

Para o PS fica reservado o drama entre apoiar um Orçamento que alguns dos seus eleitores rejeitam ou reprovar um documento que assegura melhorias para muitos outros. A escolha entre ser uma oposição irrelevante ou colaborativa não é fácil, e Pedro Nuno aparenta tentar assegurar ganhos com medidas concretas que lhe permita justificar deixar passar o Orçamento do seu adversário. Esta dificuldade é ainda agravada por um Presidente que tudo faz para pressionar o Parlamento, na sua sede de deixar o seu partido no poder quando sair de São Bento. Entre chamadas de atenção públicas e recusas de futuros atos eleitorais, Marcelo procura forçar a mão do PS e condicionar a sua ação. Contando com a falta de apoio e contribuição das restantes forças partidárias, o mostrengo Chegano oscila entre posições, tentando tornar-se essencial à governação ou colar o PS ao PSD, fazendo valer a sua narrativa de que os políticos são todos iguais e assegurando a sua importância. Como de costume, são os populistas e não os democratas que colhem os frutos da desilusão alheia.

Entretanto, gastamos infinitos minutos televisivos a questionar como foi possível uma evasão da prisão que tem muito de preocupante e pouco de entusiasmante, em vez de nos perguntarmos o porquê de termos uma população prisional demasiado grande para a nossa dimensão demográfica e a nossa pequena e exaurida equipa de guardas prisionais. A resposta governamental é um já usual pedido de demissão do responsável imediato, isento de qualquer reflexão sobre o tema. Por entre evasões e orçamentos, lá fazemos a reentré e retomamos as vidas que escolhemos esquecer durante um breve e agradável intervalo balnear. Reflexões sobre o futuro, só mesmo quando ele chegar.

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